Tenho o privilégio de ter bisavó.
Com quase 98 anos, ela tem uma lucidez e independência incríveis. Sempre que posso, passo na casa da Dona Lia para ouvir umas histórias. Outro dia estava lá e ela estava brava, pois o liquidificador que “não tinha nem três anos” já tinha quebrado. No ímpeto da minha solução moderna e capitalista, propus comprarmos um novo porque dava trabalho mandar arrumar. Para minha surpresa, ela tira do armário outro liquidificador de ferro que, segundo ela, tem uns 50 anos. Pega um copo adaptado para ele e bate sua sopa. E, insiste, “tem que mandar arrumar aquela porcaria nova”.
Fui embora lembrando que ela foi casada por 62 anos e só a morte a separou do meu bisavô. Só Deus sabe quantos “consertos” precisaram ser feitos nesse relacionamento, mas ela é de uma geração que tentava reparar as coisas quando elas quebram e não as substituiam por outras novas automaticamente, como fazemos hoje.
Eu, entretanto, sou um símbolo da máxima que prega “se não está bom, muda”, mas comecei a pensar que seria bom se eu, pelo menos, tentasse reparar algumas coisas antes de fazer as malas de novo. Já troquei de emprego, morei em várias cidades, mudei de relacionamento e, quando alguma coisa em mim começou a me perturbar para voltar a explorar o novo, comecei a pensar que talvez o que precisasse ser mudado estivesse dentro de mim. Não que a acomodação e a zona de conforto devam ser valorizadas. A mudança é vital para o ser humano, mas existe a mudança certa.
Chega uma hora que é preciso arrumar toda a bagagem que se acumulou pelos anos de estudo, viagens, aventuras, amizades, aprendizados e relacionamentos para ver o que pode ser consertado. Algo me diz que talvez seja dentro de mim que eu encontre o que eu tanto andei procurando por ai.