Gentileza gera gentileza, era o que dizia o adesivo fixado ao lado da porta do meu quarto.
A frase em si tinha sido um ato gentil. Eu a tinha recebido como presente e todos os dias ao passar pela porta meus olhos tocavam aquelas três singelas palavras.
A própria sentença era uma recíproca de frente para trás e de trás para frente. A verdade tecida na simplicidade por uma mente que profetizava a revolução no mundo através de gestos cordiais.
Há muito tempo, quando ainda na escola, aprendi que antes do sistema monetário imperar o homem vivia de escambo. Trocava-se cebola por tomate, tomate por batata, batata por algodão e por ai as coisas iam.
Em nossa mente é comum imaginarmos que o sistema monetário deu um fim a essa fase de trocas, instaurando uma nova e deixando para trás esse jeito rudimentar de ajeitar as coisas. Mas, deixamos mesmo para trás essas trocas?
Quando saio de casa o que carrego comigo? Tomate, cebola, feijão?
Não, levo comigo atenção ou indiferença, amor ou desafeto, delicadeza ou grosseria. São minhas as escolhas ao abrir o meu grande armário de experiências.
Quanto de tudo isso vai caber em minha bolsa? Depende do número de interações às quais me submeti ou fui submetida durante minha vida.
Posso pegar o quanto conseguir carregar, contudo sei que um limão não valerá uma melancia. Existe uma justiça nas trocas e elas só valem se forem autênticas. Se não for assim será exploração, enganação ou algo do gênero.
Quando saímos de casa tomamos o cuidado de levar o melhor de nós ou carregamos aquilo que passou do ponto, que nos esquecemos de tirar da bolsa?
Existe um momento em nossas vidas no qual devemos pensar em nossa essência e realmente ser, positivamente, o melhor que podemos ser.
Se caminhamos pelo mundo cabisbaixos, olhando para os pés e cheios de mágoa, não vemos os olhos daqueles que nos ofertam amor. Não notamos os sorrisos ternos que nos lançam, percebemos apenas as lágrimas que molham nossos pés.
Um sorriso não deve ser guardado para as ocasiões especiais e a alegria apenas para os dias de festa. O respeito deve caminhar conosco de mãos dadas, ele é um ótimo companheiro. Ele não merece aparecer apenas quando imposto. O amor não é bem vindo apenas nas horas de conquista. Amar deve ser uma constante. Temos o mau hábito de reservar o melhor de nós para depois.
Tive uma avó querida que tinha a mania de guardar os presentes que ganhava. Se comprássemos uma roupa, sendo ela bonita, certamente seu destino era o armário. E foi lá que encontramos inúmeros presentes especiais, nunca usados, depois que ela partiu.
O aqui e agora nos traduz. E apesar de apertado, entre o que foi e o que pode vir, deve ser destacado. É nele que as interações acontecem.
O passado tem que ser resolvido, o futuro idealizado, mas o presente, esse sim tem que ser vivido com plenitude. É ele que tece o nosso eu.
O mundo flui em recíproca, se nos abstemos de viver aqui, despertos, nos abstemos de experimentar a enriquecedora troca que pode nos levar à frente.
Quando carrego cordialidade comigo, desperto a cordialidade adormecida no outro. Quando espalho raiva, reavivo a que está guardada naquele que me acompanha. Um riso contagia, uma ofensa se alastra.
Gentileza gera gentileza.
Assim como em uma dança, se atentos veremos os sentimentos afins se entrelaçarem. Juntos eles se fortificam e se perpetuam.
É nossa a decisão de aplaudir ou vaiar o que vem se desenrolando em nosso dia a dia e como juízes, cabe apenas a nós decidir quais sentimentos e experiências ficarão.
É nosso o impulso de puxar da prateleira o que nos fará bem ou mal.
É tempo de abrir o armário de nossas vivências e decidir, conscientes, o que levaremos dele a partir de agora.
Que nós possamos multiplicar em troca tudo aquilo que nos faz bem!
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