A Senhora… A Saudade…

Por Iolanda B. Carneiro

Outro dia, se não me engano dia 30 de dezembro do ano passado, fui à loteca pagar uma conta. A fila era monstruosa e andava ‘pra’ trás, ‘pra’ frente só quando alguém desistia e saia do minhocão.Bom…Eu fui pagar uma conta, mas muita gente estava lá, esperando, esperando, na esperança de fazer uma fezinha. A Mega Sena da virada!!! 144 milhões!!!Ou R$144.000.000,00!!!Nossa o número é grande mesmo…

É interessante o que se pode ouvir em uma fila. Bem longe, atrás de mim, mas ao meu lado, porque a fila não era retilínea e sim cheia de curvas, estava entre um jovem e um senhor, que conversam muito, uma senhora. Um olhar sereno, cansado, mas ainda cheio de vida, um lenço rosa, desbotado, escondia os cabelos já brancos que se destacavam em sua pele escura, saia abaixo do joelho. Em uma das mãos um saco cheio de frutas, na outra o motivo de sua estada na fila, o joguinho da Mega Sena.Ela estava ali, no meio daquela conversação do jovem com seu amigo, olhando-os e, às vezes, soltando um leve sorriso no canto da boca. Como a fila não andava ‘tomei partido’ e pensei: “vou salvar essa velhinha”. Foi quando olhei para ela e lhe falei: “senhora não precisa ficar na fila, tem um caixa preferencial ali.” – Apontei com o dedo em direção ao caixa. Mas ela logo respondeu: “eu ainda não sou aposentada, não posso usar aquele caixa.” Sem mais insistir não tentei explicar que não precisava ser aposentada para usar o caixa preferencial. E foi neste momento que senti como se o mundo a minha volta tivesse parado e que meus pensamentos traziam à tona outra realidade. Aquela senhora despertou em mim certa melancolia à nossa época tão evoluída, científica e tecnológica. E senti saudade daquele tempo em que as pessoas admiravam os mais velhos, apreciavam suas experiências e aprendiam com elas.

Saudade. É engraçado como a gente consegue dominar todo tipo de dor, problemas e saudade de outras pessoas, não é mesmo! Menos os nossos! É estranho pensarmos nas coisas que despertam nossos sentimentos e nos infiltram a mente nos levando a outro tempo, a outro cheiro, a outra sensação. Que nos remetem a boas e más lembranças. Perfume, cores, comidas, pessoas…Aquela senhora com seus olhos de jabuticaba despertou em mim uma multiplicidade de sentimentos, a saudade de tempos que não voltam mais, brincar na rua de bicicleta, usar saias com pregas, claro que na altura do joelho, ver as pessoas sentadas na porta de suas casas no fim de tarde, correr ‘pra’ chegar em casa e ficar horas ao telefone com a amiga, esperar ansiosa pela carta daquele amigo que mudou de cidade. Ahh! Namoro no portão! Esperar, dar tempo ao tempo, sentir saudade.

De repente uma pessoa me cutuca pelas costas: “moça sua vez” – Como quem estava com pressa. Bem, paguei minha conta, saí da loteca deixando a senhora para trás. Claro que toda essa divagação é relativa aos olhos de quem lê, mas de uma única coisa eu tenho certeza. Aquela senhora não ganhou a Mega Sena da virada! Santa Rita do Passa Quatro e Brasília que o diga. E eu…Eu continuo com saudade…



LIVRO NOVO



Jornalista e professora por formação. Amante da natureza e dos animais. Sua companhia é seu cachorro vira-lata, Zeca. Encontra na palavra escrita aquilo que muitas vezes falta à boca, sons que não ouvem o ouvido, coisas que não veem os olhos. Cronista de emoção, sem grandes intenções. Escrever é tornar-se vivo, é ser, é busca e registro dessa força estranha, mutante e diversa que se chama vida.

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