O melhor e o pior
 Todas as noites, ao colocar meu menino para dormir, começam nossas conversas mais profundas. Entre as costumeiras confissões, invariavelmente a pergunta “O melhor e o pior do dia?” nos coloca a refletir sobre o bom e o ruim de nossos passos, escolhas e desafios até o momento presente.
Não sei se isso foi invenção nossa ou me inspirei num filme antigo, “História de nós dois”, em que a mesma pergunta acontecia na mesa da família e depois viria a unir os personagens centrais.

 O fato é que descobrimos que um mesmo dia pode carregar lados distintos, emoções contraditórias e períodos de alternância entre o melhor e o pior dos fatos e de nós mesmos.

Semana passada, na Folha Ilustrada, uma matéria com Nathalie Edenburg colocava em foco um novo projeto da modelo, que atualmente trabalha na arte de colorir fotografias de seu rosto, colocando cores, sombras e nuances de acordo com o humor de cada dia. O resultado é surpreendente, ao revelar faces distintas, cada uma com sua beleza e peculiaridade, um caleidoscópio de identidades.

Semelhante à modelo, sou uma mulher de fases. Do tipo que pintaria as têmporas de vermelho pela manhã e colocaria margaridas nos olhos ao cair da tarde. Por vezes constrangida com minha essência, inadequada em minha pele; em outros momentos sentindo que a vida se encaixa completamente e de repente tudo faz sentido.

Longe de qualquer palpite astrológico, fase da lua ou diagnóstico de bipolaridade, somos seres complexos, indecifráveis, por vezes antagônicos, muitas vezes instáveis. Carregamos mais pluralidades que singularidades e oscilamos com as mudanças que ocorrem rotineiramente, mas principalmente com aquilo que emerge e submerge dentro de nós.

Descobrir ‘o melhor e o pior’ nos mostra que nem todo dia é só bom ou ruim. Conseguir extrair beleza de um dia caótico é um exercício de sabedoria que é preciso praticar exaustivamente, do mesmo modo que é primordial entender que é normal haver falhas recorrentes em nosso percurso cotidiano.
Nem mesmo um dia perfeito está livre de suas contradições, da mesma forma que nem os piores dias estão isentos de sua alegria.

É por isso que de vez em quando coloco em cheque a tela do meu celular. Seguidora moderada de blogs e afins, me surpreendo com a alegria ‘padrão cem por cento’ estampada no instagram. Começa com um suco verde, seguida por uma dieta detox, treino funcional e desfile de marcas nacionais e importadas. Em outra página, a oitava viagem desde que o ano começou, baile da Vogue e cabelo impecável. A vida editada, em que não há espaço para a humanidade que nos habita, parece incompleta. O pedaço da história em que o ‘pior’ não existe, ou nunca poderá aflorar, traz à tona nossa dificuldade de lidar com a realidade. A realidade em que o ‘pior’ não nos faz piores, mas simplesmente humanos.

Meu filho precisa saber que não sou diferente dele. Que mesmo feliz, me entristeço um pouco, morro de saudades, desanimo e sigo em frente. Que minhas dúvidas andam lado a lado com a alegria, e que meu entusiasmo morre e renasce mais vezes que eu gostaria, mas mesmo assim me faz persistir, ter fé, e principalmente acreditar que se um dia teve o seu ‘pior’, ele também deve ter tido o seu ‘melhor’, e que se hoje foi mais vazio, hão de haver momentos mais cheios.

Finalmente, temos que ser gratos pela satisfação não ser permanente, pois sem a inquietação não teríamos motivos para crescer e buscar novas estradas, encontrando significado no melhor e pior de cada dia.

 Imagem inicial: Via pinterest, por Elena Shumilova

 

 



LIVRO NOVO



Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

15 COMENTÁRIOS

  1. Oi Fabíola! É o meu primeiro comentário aqui e estou feliz em poder fazê-lo. Quero dizer-te, amada pessoa, que tens um dom e por ele vejo Deus, vejo amor. Gratidão por compartilhar disso conosco. Rezo por ti e por todos os teus! Sou jornalista e me aventuro também em uns poemas e poesias e os teus textos me inspiram e os divido com outros amigos. Um Beijo!

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