Mãe não deveria ter medo de chuva.
Medo de estragar o cabelo recém escovado.
Pressa com o menino que desajeitadamente coloca o casaco.
Hoje tive pressa. Perdi a paciência tomando chuva do lado de fora do carro enquanto você decidia se colocava o casaco ou não…
Mas depois o vi seguindo sem mim, guarda chuva aberto, lancheira nas costas e mochila na outra mão; então reparei no casaco mal colocado, subindo desajeitado, com mangas displicentemente arregaçadas…
Tive o ímpeto de correr e ajeitá-lo. De voltar o relógio do tempo e simplesmente ser paciente. Deixar a chuva molhar meu cabelo e minha calça branca repreensivelmente alvejada enquanto você se aprumava.
Mães não deveriam ter pressa nem cabelo escovado. Não deveriam usar calças brancas ou sapatos com salto.
Principalmente não deveriam ter medo de chuva nem relógios de pulso.
Qualquer tipo de relógio deveria ser banido do tipo mãe, já que pra elas estes deveriam ser itens supérfluos, dispensáveis, irresponsáveis.
Pois é uma irresponsabilidade contabilizar minutos de afobamento diante da eternidade que a infância representa.
Mães não deveriam ter sono e sua fome deveria ser somente de algodão doce, pipoca e quindim.
Mães deveriam ser somente pacientes_ com casacos difíceis de abotoar, bolsos cheios de tranqueiras, paradas repetitivas para recolher objetos enigmáticos pelo caminho, cadarços desamarrados e preguiça de tomar banho.
Mães não deveriam ter compromissos oficiais ou judiciais. Seu ofício deveria ser simplesmente adivinhação, mímica, teatro de fantoches e pintura a dedo. Pra elas não deveria ser necessário manicure, depilação ou baby liss. Seu sorriso deveria ser sempre uma risada barulhenta e sua voz, um convite à fantasia…