(Texto também publicado no jornal “A Folha de São Carlos”, edição 13753, 17/11/2012, pág 02)
Outro dia estava na praia com meu menino. Era fim de tarde e fui sem bolsa, toalha, protetor solar ou máquina fotográfica. Nem celular levei, tamanha a leveza do meu dia.
Sentada na areia, imersa no desprendimento daquela tarde, aproveitava a ocasião enquanto a batidinha de “What can I do” do The Corrs completava a paisagem.
Meu filho corria atrás das pombinhas e de vez em quando arriscava um malabarismo na areia. Habituada ao registro de cada suspiro, lamentei não estar com a máquina em punho para fotografar o momento que se descortinava à minha frente.
Então, num insight redentor, aliviei meu peso e permiti ser parte do enquadramento, sem zoom ou ajuste automático, armazenando aquele arquivo somente na memória afetiva.
Não sei vocês, mas de uns tempos pra cá, com as facilidades das câmeras digitais, postagens simultâneas nas redes sociais e avanço tecnológico, passei a enxergar os melhores momentos da vida sob a ótica do display LCD, e no desejo de eternizar o momento presente, perco-o enquanto ajusto o foco, a luz, o posicionamento e o sorriso “X”.
As melhores fotos não vão para o álbum de retratos…
Como aquela noite em que o primeiro beijo foi roubado dentro do carro… ele jura que foi ela; ela insiste que foi ele. Os olhos fechados, a música rolando no “toca fitas”… quantas vezes ele voltou a visualizar aquele instante, dando brilho ao interior e desfocando todo o resto?
Na tarde daquela chuva_ uma chuva torrencial de verão_ela seguiu despretensiosa, o cabelo molhado, a blusa branca revelando o colo… nunca esteve tão linda, sexy, natural_simples_sem as poses costumeiras, sorrisos manipulados e olhar fatal;
Novembro_ você e as crianças montando a árvore de natal. Um momento mágico, as luzes piscando, os dedinhos ajudantes dando os primeiros nós, a alegria estampada no olhar dos pequenos… E você ousou acreditar que a foto no colo do papai noel do shopping carregava eternidade maior?
Sala de parto. A enfermeira registra o nascimento com a câmera. O que ela não capta são seus olhos marejados atrás do tecido verde. As mãos que apertam as suas_ geladas, molhadas de suor. Você encara o marido e pela primeira vez em tantos anos, percebe que ele chora… As fotos do bebê são compartilhadas no facebook, mas dentro de você a resolução do momento ultrapassa os 16 megapixels.
Na despedida ela chorou enquanto o carro se afastava e ainda teve forças para correr, tentando evitar o inevitável… Hoje segue transformando a dor em sépia, aumentando e diminuindo o zoom…
Minutos decisivos no banheiro. A alegria latente ao descobrir os dois tracinhos vermelhos na tira de papel_grávida!_ e o momento arquivado por toda a vida;
Seu casamento. O fotógrafo, especialista em fotos jornalísticas, conseguiu captar beleza, descontração e espontaneidade. Mas aqueles minutos no carro, enquanto o motorista dava voltas no quarteirão e você conversava com seu pai; aquele último momento antes de entrar na igreja é o momento que será revisitado por tantas noites em claro, de ausências e saudades…
Você está onde sua mente está. Da próxima vez, experimente substituir as lentes por sua presença. Que se divirta feito criança e permita ser levado pela emoção do momento, com a alma nua. Esqueça o protocolo e deixe de lado as regras sobre “como obter boas fotos”.
Entenda que o mantra “tudo passará” serve tanto para os maus quanto bons momentos, e se você perder o instante perfeito procurando uma estampa pro porta retrato da sala, ele também passará_tendo você registrado ou não…
*Imagem: Reprodução
Continuo visitando seu blog e me encontrando nas suas postagens. Gostei muito, poético!
Olá,
Gostamos do seu blog. Iremos indicá-lo em nossos links mesmo a promoção já tendo se encerrado.
Att.
Blog Clarice Lispector.
Obrigada! Muita honra ser indicada por vocês!!!
Esse me fez chorar!