No livro “Feliz por nada” Martha Medeiros já abre as leituras com um texto arrebatador: “Dentro de um abraço”. “Onde é que você gostaria de está agora, nesse exato momento?” É com essa pergunta que inicia sua defesa sobre os benefícios do abraço. Ela lista uma série de lugares, lembranças de onde esteve ou gostaria de estar e nenhum deles supera o prazer que é estar dentro de um abraço. Contrapõe dizendo os lugares que também não gostaria de estar, como no leito de um hospital, fila de banco, reunião de condomínio, presa num elevador, numa cadeira de dentista. Agora convido vocês a colocar um abraço em meio a todos esses lugares indesejáveis. Tudo ganha outro peso quando somos acolhidos e ganhamos abrigo acomodados entre dois braços.
O leito de um hospital pode ter presenciado os abraços mais sinceros, onde um pai adoentado abraça verdadeiramente pela primeira vez a filha em um ritual típico de quem prevê uma despedida. Na fila de banco, na correria do dia a dia pode ser ponto de encontro de amigos que não se vê há muito tempo. O abraço sela e anula toda distância vivida até então. Ainda mais depois da regra de proibição do uso de celulares dentro das agências, só contribui para um abraço mais sincero e demorado. Na reunião de condomínio o abraço é um convite para se tornar mais vizinho dos seus vizinhos, onde um passa habitar contra o peito do outro. Presa num elevador não há pressa, nossa impotência quanto ao controle dos ponteiros do relógio faz com que possamos nos demorar uns nos outros. Numa cadeira de dentista a criança assustada não deseja outra coisa que não seja um abraço que afaste o medo.
Lembro-me dos abraços que habitei e como eles contribuíram para uma vida mais plena de afeto. Quando a vida passava doendo, deixando apenas os cacos de mim, foram nos abraços que pude reunir meus pedaços. Abraço de luto é sem duvida o mais acolhedor já experimentado, pois é um abraço que convida o choro e consola, tem por pré-requisito a demora. Quase um convite para que a dor daquele que chora, mudasse de endereço para o peito de quem consola. E o abraço que antecede o beijo? Que guarda espaço para o olhar antes da aproximação? E o abraço de despedida? E o abraço que acolhe o fracasso? Todos dispensam apresentação, pois basta consultarmos nossa memória afetiva.
Mas algo nesse assunto muito me preocupa. Vivemos tão apressados que hoje em dia o abraço se resumiu a encontro de ombros. Não há demora, muito menos entrega. Os braços não oferecem abrigo, não moldam o corpo. Não duram nem o tempo mínimo para sentir a respiração do outro. As telas dos celulares são agraciadas com mais toques e demoras do que os afetos dos tempos atuais. Isso é um desperdício tremendo, pois um abraço pode oferecer um pouquinho de paz nessa loucura toda que é existir. Quando habitar apenas em si não basta, precisamos criar uma extensão que se faz quando entrelaçamos os braços no corpo do outro e descansamos a cabeça em seu peito, consequentemente descansamos todos os cansaços dessa vida. Então seja qual for seu lugar no mundo, não esqueça que o abraço é uma extensão do paraíso.
Para ler mais da autora acesse Obvious – Infinito Particular…