Ninguém aproveita a travessia se está preocupado com o que deixou para trás

Acredito que viajar seja uma das experiências mais sublimes que alguém pode ter. Respirar a atmosfera de lugares nunca antes pisados por meus pés, experimentar sabores exóticos ao meu paladar, sentir o vento gélido ou o calor dilacerante de uma estação nova, escutar sotaques ou idiomas inéditos ao meu ouvido, me deslumbrar com a quebra da rotina e ser arrebatada pela atmosfera de novidade em cada esquina.

Toda viagem surpreende. Por mais que tenhamos o poder de escolher que trilhas iremos percorrer, que pontes queremos atravessar, que paisagens pretendemos observar, que sabores desejamos experimentar… o roteiro definitivo fica a cargo dos imprevistos, das boas (e não tão boas) supresas pelo caminho, do clima, das companhias, dos perrengues e das aventuras que serão contadas e recontadas nos almoços de domingo.

Planejar é necessário; estar ciente de que imprevistos irão ocorrer e nem tudo sairá conforme o planejado, também. O importante é aprender a dançar conforme a música e entender – por mais clichê que seja – que quem está na chuva, é para se molhar.

Não sei se sou uma viajante experiente, mas meu HD interno está recheado de histórias engraçadas; perrengues nada chiques; sustos memoráveis; saudade de casa; vontade de não voltar para o mundo real; intoxicações alimentares, ensolações e queimaduras por águas vivas; encantamento, autoconhecimento e transformações sem volta.

Cada página do álbum de fotografias ou cada imagem captada pela lente do celular carrega o olhar maravilhado de quem se encanta pela primeira vez. A vida é convidativa, é porta aberta oferecendo inúmeras trilhas, é oceano clamando pela travessia. Porém, ninguém vai muito longe com a bagagem pesada demais. Ninguém se maravilha carregando consigo tralhas de uma existência que não existe mais. Ninguém aproveita a travessia se está preocupado com o que deixou para trás. Ninguém mergulha se está apegado ao que não pode controlar. Ninguém adquire autonomia, autoconhecimento, liberdade e alegria se não tiver espaços vazios e disponíveis.

Aeroportos refletem nossa existência. Uma existência onde chegadas e partidas se intercalam, e onde cada um – exclusivamente – sabe o que carrega na bagagem. Nem toda bagagem é leve ou possui rodinhas ultradeslizantes. Muitas são pesadas, com rodas travadas e alças desabando. Aeroportos, assim como a vida, abrigam esperança, alegria, expectativas, dores, despedidas, cansaço. Em cada terminal, o desejo de partir ou retornar com a mala recheada de experiências transformadoras ou dever cumprido. Porém, só aproveita a viagem quem se despe de preocupações desnecessárias, pesos excedentes e apegos inúteis. Às vezes, para embarcar, você terá que abrir sua mala e jogar fora alguns ítens. Seja porque são inadequados, seja porque excedem o peso permitido. Nessa hora você percebe que consegue. Que nem tudo é essencial. Que a vida nos obriga a recomeçar diariamente, mas só é possível dar chance aos recomeços quem esvazia a bagagem e cria espaço para as novas alegrias que querem chegar.



LIVRO NOVO



Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

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