Elena era nadadora. Não apenas nadadora, nem campeã de nado algum, mas era nadadora. Na infância participara de campeonatos, ganhara alguns, e até sonhara em seguir carreira – mas não tinha talento suficiente para viver de olimpíadas, medalhas e patrocínios, e por isso cursou arquitetura. A carreira estável oferecia a segurança que as braçadas na piscina não proporcionavam. Mas era ali, entre raias olímpicas e 3 metros de profundidade, que se sentia mais feliz. Livre.
A piscina do Clube Recreativo era sua velha conhecida. Sabia de cor, mesmo nadando costas, onde estava a borda, e em que momento deveria fazer a virada. Costumava nadar 2500 m, 50 piscinas em uma hora de treino, sua terapia de todos os dias. Os problemas ficavam menores, a vida encontrava um sentido novo. Seus amigos frequentavam o divã, ela frequentava a raia 4.
Naquela tarde, porém, não estava funcionando. Elena subiu no bloco de largada e, quando mergulhou, sentiu a água chicotear seu corpo. Foi a deixa para seus olhos encherem-se de lágrimas e ela arrancar num nado crawl violento, onde cada braçada tinha a força da raiva e frustração que sentia. Nas dez primeiras piscinas chorou; depois foi se acalmando e a água, misturada às lágrimas, teve poder calmante, anestesiando-a. Na trigésima virada, a irritação começou a dar lugar ao entendimento e, da quadragésima piscina em diante, voltou a chorar – mas dessa vez era um pranto suave, libertador.
Horas antes, no escritório onde trabalhava, havia derrubado uma xícara de café quente sobre seu mais novo projeto. Ela tinha a cópia no computador, mas o café se espalhara não somente sobre a planta detalhadamente desenhada – ele também se espatifara sobre o notebook e, ao que parecia, havia sido perda total. Porém, o pior não era somente o café, e sim o que provocara tal desequilíbrio.
Uma briga por ciúmes – farpas trocadas por mensagens de texto e muitas acusações – tinha sido o gatilho para o desequilíbrio de Elena. Fora pega de surpresa. O namorado guardava mágoas antigas, e uma foto entre amigos publicada no Instagram havia sido o estopim. Ela desconhecia esse lado dele e, de repente, três anos de mágoas reprimidas vieram à tona. A xícara de café entornou. O namoro também.
A gente enxerga melhor quando os olhos estão úmidos, pois a lágrima lubrifica a visão e o pranto nos reconecta às profundezas da alma, onde vivem a intuição e a compreensão. Um choro farto, seguido de silêncio e solitude, pode trazer mais benefícios que ganhar uma discussão. Ter paz vale mais que ter razão.
Elena gostava de sua própria companhia, e nadar era seu momento de solitude perfeito. As ideias entravam nos eixos, o corpo liberava hormônios de bem estar, o silêncio trazia paz.
Ela não falaria nada. Nem se desculparia por ser de verdade. Tomaria um banho quente, se serviria de uma taça de vinho tinto e dormiria mais cedo. Sabia que não seria fácil, mas confiaria no tempo, e se calaria até os ânimos acalmarem.
Apesar de nossa ansiedade em agir, na maioria das vezes o silêncio é a melhor ação. É no silêncio e distanciamento que damos espaço para Deus colocar os nervos à flor da pele no lugar e facilitar que a sabedoria se aproxime da consciência. Depois que você silencia, o outro passa a te entender e conhecer melhor. Por incrível que pareça, a ausência de palavras traz mais entendimento que o excesso delas. É no afastamento, no fazer falta, e no silêncio absoluto que muita coisa é dita através da comunicação não verbal. Nem todo silêncio é ausência. Nem toda ausência é esquecimento…