Você sente o vendaval se aproximando e fecha as janelas para que o vento não invada a casa e altere tudo do lado de dentro. Mas a ventania não é obediente; encontra frestas, vãos debaixo da porta, fendas na parede, rupturas nos batentes. Então, em questão de segundos, nenhum cômodo é mais o mesmo. Nenhum objeto permanece no lugar. Nada continua como antes. O vendaval jamais poderá ser evitado. Cedo ou tarde ele chega, e quanto antes você entender que é melhor aguardar a turbulência passar ao invés de desesperadamente tentar detê-la, mais cedo estará pronto para a cura, para uma forma de vida completamente nova.
A gente sabe quando o vento levou embora as promessas e varreu as cartas. Sabe quando alguém nos fez sentir únicos, especiais… e, de repente, não mais. A gente sabe que tudo mudou, mas finge não saber. As rosas do buquê murcharam, mas você continua trocando a água do vaso de cristal na esperança de que os botões voltem a desabrochar.
A gente sabe quando o tempo de algo chegou ao fim. A gente sabe, mas finge não saber, porque é mais fácil lidar com a ilusão. Porque no fundo imaginamos que o nosso querer – somente o nosso querer – seja suficiente para que as coisas voltem a ser como eram antes.
O perfume acabou, mas você tem esperança de que no fundo do frasco ainda haja um vaporzinho capaz de te perfumar. O vinho secou, mas você vira a garrafa desejando uma última gota capaz de te embriagar. O sapato não serve, mas você insiste em calçar. O café esfriou, e você não tem nenhum fogareiro para requentar. As gavetas estão cheias de tralha, e você reclama que falta espaço para algo novo chegar.
É mais fácil cruzar os dedos e fechar os olhos bem apertadinhos, desejando que, ao abrir, tudo volte a ser como antes. Mas a vida nos abriga e desabriga; dá e tira; oferece e toma de volta. Vida é carrossel, e quer de nós desarranjo e readaptação. É preciso viver os lutos com paciência e aceitação, mas depois abrir mão.
A dor precisa ser reciclada para acomodar-se no peito e aos poucos tornar-se cicatriz imperceptível. Antes de se dissipar, ela rasga a pele e desnorteia os sentidos, mas se perdemos o medo da dor, ela fica mais tolerável.
Porque no fim das contas, ninguém sai ileso da vida, e somos inocentes em pensar que nunca iremos nos machucar. Sentimentos são incontroláveis; quem nos ama pode nos ferir de vez em quando; vivemos num mundo de promessas quebradas e a vida é uma enorme torre de Babel onde o encantamento, o assombro, os conflitos e inadequações podem conviver perfeitamente bem com a beleza, o contentamento e a alegria.