Ausências que nunca param de doer

Perder é como falta de ortografia no coração que raramente se resolve. Porque há ausências que doem mais que outras, que pesam na memória a ponto de criar um vácuo onde a ilusão e a qualidade de vida escapam. A falta de alguém vai além da nostalgia e, em muitos casos, não é fácil aliviar a ferida da ausência.

É curioso como, às vezes, na prática clínica, as pessoas tendem a se descrever não pelo que fazem, não pelo que suas vidas ocupam ou pelos personagens que as definem. Algumas pessoas quando se trata de fazer uma descrição de si mesmo, não hesitam em acrescentar frases como “Eu sou uma pessoa que perdeu a mãe com doze anos” ou “Eu não sou nada desde que meu parceiro me deixou há oito meses”.

As ausências, de alguma forma, também nos definem. O que nos falta traz uma marca profunda que define o nosso ser. Não é fácil fazer a vida quando a nossa mente só habita o sentimento persistente de sentir saudades de alguém, de sentir aquele constante bloqueio que nos impede de ver além da perda e de termos a oportunidade de nos perceber de outro modo … pessoas capazes de criar realidades mais felizes e satisfatórias.

Sentir falta, por que isso dói tanto?

Perder é uma característica essencial do ser humano. Além do mais, se há algo que realiza mais o nosso cérebro é colocar o olhar no espelho mental para alimentar a nostalgia. Tanto assim, estudos como o realizado na Duke University pelo Dr. Laurence Jones, indicam que o cérebro é mais nostálgico do que proativo. Isto é, parece que gastamos mais tempo evocando memórias do que nos concentrando no aqui e agora.

Algo que por si só é normal, às vezes pode se tornar insalubre. Nos referimos aos estados em que o ato de perder alguém se torna constante e obsessivo; a ponto de não conseguir se concentrar em outra coisa senão aquela ausência. O desejo às vezes pode ser um ato doloroso que pode nos colocar em estados de alta vulnerabilidade psicológica.

Além disso, especialistas na área, como o Dr. Donald Catherall, da Northwestern University, em Chicago, apontam que há duas circunstâncias que tendem a ser mais traumáticas quando falamos de perdas. São as seguintes.

Perdas durante a infância, ausências eternas

Perder um pai durante a infância cria uma das feridas mais profundas que um ser humano pode experimentar. Assim, a morte não apenas rastreia a marca traumática de uma memória que é muito complicada de manipular; abandono também tem o mesmo efeito. Ambas as circunstâncias colocam a criança em um estado de grande vulnerabilidade emocional, do qual não é fácil recuperá-la.

De fato, é muito comum atingir a idade adulta sentindo a marca dessa ausência. O vazio deixado por um pai ou mãe não só cria uma ferida, mas também define uma marca quase constante, onde a pessoa tem a sensação eterna de que algo está faltando. Essa experiência muitas vezes provoca uma tentativa de preencher esse vazio com relacionamentos dependentes, ou com abuso de substâncias ou transtornos alimentares.

Sentir falta de um relacionamento

Perder um amor definitivamente é uma das realidades mais comuns. É um tipo de dor poliédrica, tem muitos rostos e todos eles têm um elemento em comum: o sofrimento. Ansiamos pela felicidade do passado, sentimos falta do amante, do amigo, que era nosso confidente e a quem reservamos toda a nossa vida.

A ruptura do relacionamento supõe deixar para trás todas as dimensões que tanto perdemos. Eles também são dinâmicas que nos definiram, nós éramos parte de alguém e de um dia para o outro, somos obrigados a nos livrar de tudo isso para nos reinventarmos novamente. E algo assim não é fácil quando a saudade e a nostalgia pesam muito.

Além disso, algo que costumamos fazer nesses casos é idealizar. Nós idealizamos quem não está mais conosco, alimentando assim uma imagem falsa que complica ainda mais o poder de se livrar dessas memórias para deixar de ser cativos do passado.

O que podemos fazer para aliviar a memória dessas ausências em nossas vidas?

Alfred de Musset, dramaturgo francês do século XIX, disse que as ausências e o tempo deixam de ser importantes quando você se ama novamente. Agora, não estamos dizendo que a única resposta para deixar de sentir a falta de alguém é procurar novos amores. Na verdade, há algo mais simples: procurar novas paixões e novos significados para a nossa realidade.

Em primeiro lugar, algo que devemos levar em conta é que nunca deixaremos de sentir falta do que antes amávamos. Quer nossos parentes, amigos ou amores sejam deixados para trás, nenhuma dessas figuras será diluída em nossa mente até que esteja completamente perdida. Sua memória sempre estará lá, mas vai parar de doer.

Às vezes, após o ato de perder persistentemente é o desejo, a necessidade de recuperar ou ter o que uma vez nos deu felicidade e segurança. Portanto, devemos supor que o que um dia deixou … não pode retornar da mesma maneira. Não é saudável viver sozinho de nostalgia, a felicidade se alimenta das realidades imediatas e, como tal, devemos promovê-lo, dar forma a novas ilusões, olhando para o aqui e agora.

Perder não é ruim, desejar excessivamente o que uma vez foi, sim é. Somos, portanto, capazes de encontrar um novo significado para a nossa realidade, procurando novas motivações, novos objetivos com os quais sair do caminho do passado para abraçar o presente. Vamos tentar pelo menos.

Tradução de artigo publicado no site La Mente es Maravillosa
Imagem de capa: pexels



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Blog oficial da escritora Fabíola Simões que, em 2015, publicou seu primeiro livro: "A Soma de todos Afetos".

1 COMENTÁRIO

  1. Com exceção das crianças, quando as perdas são cataclismos colossais e inesquecíveis, adultos já deveriam ter aprendido com as próprias dores que pessoas não são muletas e, por isso, não deveríamos nos apoiar nelas, porque elas são frágeis, vulneráveis, passíveis de mudanças propositais ou não e até mesmo desaparecem para sempre, porque morrem. Pessoas são importantes, fundamental interagirmos com elas, compartilhando experiências e afetos a fim de crescermos, evoluirmos trocando lições aprendidas de paisagens vislumbradas. No entanto separações são inevitáveis, deveríamos saber disso mas esquecemos que nascemos um indivíduo completo, ainda que compartilhando o mesmo útero com outros bebês nossos irmãos. Não somos a metade da laranja, somos uma laranja inteira, nem sempre doce mas com a casca invulnerável, nosso DNA que nos distingue das outras, amargas ou verdes. Ausências que nunca param de doer são presenças negativas, são doenças que nos enfraquecem, nos debilitam, nos desencorajam e desestimulam, não deveriam ser bem vindas no chão sagrado do nosso espírito onde pisamos sem sandálias empoeiradas para nos ajoelhamos diante de Deus. Quem vai embora de nossa vida, deixemos ir sem nos determos em detalhes mórbidos de lembranças, fantasias que escurecem o caminho e nos impedem o avanço. Nada importa mais do que a paz interior, independente de quem está ou não conosco, nos querendo bem ou mal, porque nossa vez chegará de ir embora também, sem muletas, sem bengalas, sem bagagens e até mesmo sem o nosso próprio corpo, atravessando a ponte frágil de Nova Dimensão para SERMOS DE NOVO.

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