Procura-se poeta

Raramente confiro a caixa de correspondências. Primeiro porque sempre são contas, e as contas ainda assim, têm sido raras. Dia desses porém, levada pelo fato de que há um bom tempo não espiava nada, parei e dei uma olhada.
Ali, vi as correspondências dos vizinhos do prédio, que aparentemente também eram sempre contas. Mas, concentrada na minha chata tarefa, qual foi a surpresa quando vi um envelope branco, com selo e carimbo dos Correios, endereçado a mim?

Olhei rápido o remetente e, pelo nome, já imaginei o conteúdo.

Era de um amigo metido à poeta, que tinha em mim a leitora fiel e confiável.

Ali mesmo abri a carta. Dentro, uma folha de caderno toda escrita à mão, tinta azul, de caneta, suponho Bic, numa grafia desarranjada, mas legível, que dizia assim:

“ 7 de agosto de 2009.
Olá,
Posso odiar você pela mania de sempre sumir, sabia? Mas, você sabe que eu te amo e te perdoo. Não vou perguntar como está, sei que está bem, pois tenho quem me diga sobre você! Agora cultivo um novo hábito, além dos meus velhos cigarrinhos proibidos. Dei para caminhar alguns quilômetros por dia, e vira e mexe, me pego perdido em algum ponto dessa cidadezinha medíocre, que você sabiamente abandonou. Assim, concentrado nas coisas vãs e ilusórias que você adorava debater comigo, lembrei-me de você!
Ok… Fique tranquila! Não vou mais insistir em te pedir um beijo ou mesmo inventar que sonhei com você. Nem quero dizer que me deu saudade daqueles dias que você passava em frente a minha casa com os cabelos soltos e molhados, sabendo sempre que aquilo me instigava. Não…Sério!
Quero falar apenas que deu vontade de escrever uma carta, rabiscar algumas notícias, e entendi que nesse mundo, a única pessoa que gostaria de ter notícias minhas era você.
Senti agora o sorriso que você deu! Vai me chamar de estranho novamente só para não perder o costume?! É, eu sei que vai.
Mas, estranho ou não, fico feliz em tê-la em algum ponto desse mundo onde posso chegar, usando uma boa e velha carta. E você precisava ver a cara da moça dos Correios quando eu disse: “Carta simples, por favor!”
O fato, minha querida, é que você me faz falta. Tanta falta, que te esqueci bons meses, só para não lembrar que você não está mais no bairro ao lado.
Qualquer dia desses venha aqui bater na minha porta e dizer com esse teu sorriso largo: “Oi amigo!!! Estou precisando desabafar!” Aí, irritado por ouvir você falar de coisas que não são eu ou para mim, vou te dar uns bons volumes de folhas onde escrevi minhas poesias. Confesso agora, que sempre usei isso para te calar, para te ver quieta citando os versos que você gostou.
No mais, aguardo respostas suas. Por carta, por favor!
Beijos. D.”

Ri sentindo um gosto doce na boca. Gosto de surpresa! De delicadeza e encanto que só os poetas, mesmo amadores, podem proporcionar.

Imagem de capa: l i g h t p o e t, Shutterstock



LIVRO NOVO



Cris Mendonça é uma jornalista mineira que escreve há 14 anos na internet. Seus textos falam sobre afeto, comportamento e Literatura de uma forma gostosa, como quem ganha abraço de vó! Cris é também autora do livro de crônicas "Mineiros não dizem eu te amo".

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