Madruga.
O frio vem sem rodeios, anunciando chegada num vento que rasga a pele. Não… Nada de arrepios que lembram lábios dessa vez. Não olhei pro céu e, confesso, há dias que não executo esse velho hábito de admirar as estrelas. Tentei roubá-las e reproduzi-las nos meus olhos, mas meu sorriso não chega a refleti-las. Pena. Lembrei da câimbra agora e não reluto em dizer que sim, a felicidade é um tanto incompleta nos risos fotografados. Desculpa se falo sem rodeios, mas é que desisti de calar e disfarçar sentimentos e decidi que quero estar cercada de tudo aquilo que me faz bem. Tinha me perdido nos últimos tempos e sequer reconhecia meu rosto defronte ao espelho e te conto que agora recomeço a me sentir mais eu. Sinto pulsar dentro de mim aquilo que sempre fui, as borboletas estão cada dia mais inconstantes e eu coro e não calo e tenho muita vontade de dizer que:
Eu sou carente.
E sinto carência, mas essa carência de carinho. Sinto vontade de uma mão brincando com os meus cabelos, desalinhando os fios. Sinto vontade de toque ameno no meu rosto, de dedo contornando su-a-ve-men-te o desenho dos meus lábios e vontade daquela respiração morna, na base do pescoço, trazendo um arrepio confortável e vontade de mais toque, de carinho inteiro. Saudade da leveza das mãos grandes, do arrepio da ponta dos dedos em contato com a pele do braço, peito, bochechas. Saudade da textura das costas da mão, dos ossos saltados. E nessa te conto que minha carência se sacia com minha dose de carinho acumulada, com tudo de afeto que guardei em mim e não tive oportunidade de soltar.
Basta um dedo meu em contato com tua pele. Desenharia tua mão, subiria teu braço seguindo as veias saltadas e demoraria até desenhar toda a tua tatuagem. Um contato, pele com pele, e a carência evapora. Pode ser eu a bagunçar teus cabelos de plumas. Pode ser eu a ilustrar um rosto sereno. Pode ser eu a contornar uns lábios entreabertos e, por fim, pode ser eu a pousar a cabeça entre o ombro e o pescoço e morrer ali uns segundos, criando pequenos círculos com a ponta dos dedos no teu peito nu…
A noite chega quase ao meio enquanto eu pinto essa imagem de afago. Sinto o cheiro da pele, imaginação minha. Está sereno aqui, nesse quarto. O coração pulsa tranquilo no peito e a saudade se funde na vontade que tenho de. Vê? Não preciso de muito. Só de toque.
Só.
Toque.
Imagem de capa: Jose Luis Carrascosa, Shutterstock