A Copa do Mundo que me deixou mais saudade foi a de 82. Naquele ano, a seleção canarinho perdeu para a Itália, num jogo sobre o qual não tenho memória alguma. Porém, o que a tornou inesquecível em minha lembrança foram os momentos de euforia antes e durante as partidas, na rua da minha avó, aos oito anos.
Minhas primeiras lembranças remontam a essa época_ a vizinhança muito simples se revezando na pintura das calçadas; a confecção das bandeirolas verde e amarelo, de plástico cortado em tiras e preso ao barbante; a alegria do povo que vivia nas redondezas_ gente humilde que no dia a dia sofria, batalhava,desejava, nem sempre alcançava_ que naqueles momentos se unia, vestia a camisa, enchia a rua de cadeiras, e no centro, solene, a TV da minha tia (a maior da rua), pairava absoluta, sintonizada com precaução e antecedência.
Nenhuma outra Copa se igualou ou reproduziu aqueles momentos. Não sei se pela esperança que ainda havia em cada adulto, ou pela minha própria expectativa, pouco amadurecida para aqueles escassos oito anos. O fato é que ainda sinto o cheiro daqueles dias, a segurança de saber-me incluída numa festa cheia de significado, alegria e camaradagem.
De lá pra cá, foram 32 anos. Cresci, amadureci, passei a enxergar as situações por outros ângulos. O Brasil não é mais aquele de 82, saído da ditadura e cheio de fé na democracia, na liberdade, lutando pelas “Diretas Já”, desejando ardentemente o fim da inflação e a construção de um país mais justo, com igualdade e acesso. Talvez o que mais tenha marcado esses 32 anos seja o fim da esperança. Porque veio a democracia, conquistamos mais liberdade, mas estacionamos no acesso à saúde e educação de qualidade. Porém, também nos tornamos um povo ressentido.
Trabalho há dezoito anos na rede pública e sei o quanto as coisas estão ruins. Nosso povo carece de saúde e temos pouquíssimos recursos para o atendimento básico _ quem dirá especializado. Onde trabalho, a autoclave, responsável pela esterilização dos materiais, está quebrada há meses. Dizem que das 42 autoclaves que há no município, apenas 12 estão funcionando, fazendo o trabalho de outras 30. Em alguns dias há material, em outros, não. Estamos de prontidão para atender os pacientes, mas faltam recursos. Do mesmo modo, faltam profissionais. Os que restam, estão sobrecarregados_ como as autoclaves. Muita coisa poderia ser melhorada com os recursos destinados à Copa. Enquanto o prefeito de minha cidade arruma as praças por onde as seleções da Nigéria e Portugal passarão durante sua estadia em Campinas, faltam medicamentos e pessoal na unidade onde trabalho. É injusto sim, mas em vez de ser mais uma ressentida nesse mar de injustiçados, o que posso fazer para melhorar o lugar onde me encontro?
A cultura do ressentimento tem crescido em nossos dias, em nosso país. Como crianças, esperamos demais dos outros e das situações e pouco fazemos além de reclamar e nos considerar vítimas. Em vez de insistir no “eu mereço…” como lamentação, deveríamos aprender com os países desenvolvidos a nos envolvermos também. A arregaçar as mangas não só para exigir, manisfestar, ir às ruas _ o que é louvável_, mas também para formar uma rede de pessoas resolutivas, envolvidas, dispostas a melhorar não o mundo, mas o pedaço a que pertencem. Sabe, tem muita coisa piorando a vida da gente. Mas fazer coro com aquilo que atrapalha, não resolve. Muitos países desenvolvidos funcionam porque as comunidades se unem, participam, ajudam, e ninguém espera sentado. Tenho visto muita coisa errada por parte dos governos, mas muita coisa ruim por parte de cidadãos comuns também. Tem gente depredando nosso país sem saber porque, só por ter aprendido a viver assim.
O que quero dizer, é que mesmo não sendo justo, não podemos aderir ao que piora. Já que as escolas públicas não oferecem ensino de qualidade, vamos depredar? Já que o posto de saúde não tem medicamentos, vamos pichar? Já que há filas nos hospitais, vamos acabar com a Copa? Já que não é nossa casa, vamos usar o banheiro público jogando papel no chão e saindo sem dar descarga?
Também não estou contente com o que vejo. E já reclamei muito também. Até o dia em que meu menino veio falar: “Mamãe, por que você não escolheu ser igual minha dentista, que tem consultório bonito onde não falta nada?”. Daí caiu a ficha. Eu desvalorizava tanto meu lugar, depreciava tanto minhas conquistas, que até meu filho veio com a solução. Foi um tapa na cara. Expliquei então _ pra ele, mas principalmente pra mim_ que meu emprego não é assim tão ruim. Eu batalhei muito por ele, passei num concurso onde inúmeras pessoas tentam e nem sempre conseguem, atendo pessoas carentes e ainda sou remunerada por isso, recebo férias e décimo terceiro, sou feliz. E acima de tudo, foi e continua sendo minha escolha. Então dali pra frente parei de lamentar. E tenho tentado sim, fazer do meu ambiente, um lugar agradável. Desde a cortininha embaixo da pia (que pedi para minha mãe costurar), até a instalação do ar condicionado (que há 5 anos permanecia abandonado numa caixa no almoxarifado), tomei a iniciativa sem esperar ajuda do prefeito. Juntamente com outros colegas de prefeitura, também trocamos o piso da sala (que tinha sido quebrado e assim permanecia) e compramos material faltante para fechar os dentes da população.
A gente pode sim, fazer de nossa vida um lugar melhor. Mas temos que batalhar por isso. E é todo dia. Não adianta só lamentar e esperar que as estações mudem, que os banheiros públicos estejam limpos, que as escolas sejam berço de bons cidadãos, que as estradas sejam seguras, que nossos filhos aprendam a cuidar de nosso país se a gente mesmo não cuida nem ama.
Esse ano meu filho completou oito anos. Como todos os meninos da idade dele, está eufórico e cheio de expectativa com a Copa. Coleciona figurinhas e anseia por completar a página do Brasil. Em 82, meus irmãos e eu também colecionávamos. Não sei se chegamos a completar o álbum, mas me lembro que as figurinhas vinham enroladas em chiclete, e haja açúcar até conseguir encontrar as mais raras…
Sábado, lembrando aquela Copa inesquecível, esqueci a mágoa que tem tomado conta do país e levei meu menino a uma dessas lojas que vendem artigos para festas. Compramos bandeirolas, fitas decorativas, balões, enfeites para carro, cornetas, guirlandas… e enfeitamos a sala de casa como há tempos não fazia. Me reconheci na ansiedade de seus olhos, na esperança dos gols e de nossa casa cheia; na promessa de comprar refrigerante, fritar pastéis e estourar pipoca.
No desejo de que só por alguns instantes o Brasil possa ser sim um lugar bom, um lugar acolhedor e ainda possível de dar certo.
Lindo texto, principalmente neste momento. Estou sempre visitando a sua página no Face. Apareça no meu, pois vou adorar.
Olá Emília! Obrigada pela visita!!! Vou sim, visitar seu blog e comentar por lá! Bjs!