Passei a tranca em todas as portas. Baixei as cortinas. Liguei alto o som do rádio, que ficou tocando jingles e comerciais com um entusiasmo forçado, tão próprio dos tempos de hoje.
Joguei as cores das roupas fora. Pendurei meus vestidos pretos nos cabides. Deixei que toda cor se fosse. Me tranquei em mim. Inventei um sorriso para o mundo. Inventei um contentamento para o coração. Puxei para perto o vinho tinto e fingi esquecer meus amores.
Então um dia, um dia nem mais bonito nem mais feio que os demais, você me apareceu. E ignorando todas as trancas, ignorando tudo que fiz para te manter longe, se aproximou de mim e disse que eu poderia amá-lo. Que eu era livre para sentir. Disse-me da importância de guardar os amores, mesmo os mais trôpegos. Falou-me que eles cabiam bem naquele espaço oco que jazia em meu peito.
Olhei para as portas e todas ainda estavam trancadas. Virei-me para o rádio, talvez viesse de lá a tua voz, mas ele estava desligado. As cortinas ainda estavam fechadas e eu vestia preto sem que ninguém, a não ser eu, tivesse notado.
Você tinha me visitado em pensamento. Tinha me dedilhado em sonhos e voltado até mim. Não para dizer que nossa história daria certo, porque não daria, mas para me dizer que eu não devia sufocar o meu coração. Que você tinha me amado a seu modo e que me guardava bonita em ti.
Então você sorriu-me, sorriu-me como um anjo da noite, ciente dos teus pecados, beijou-me a face com o teu pensar e partiu como uma brisa serena, deixando-me a sensação boa de lembrar tudo o que não tínhamos vivido. Deixando-me leve para seguir meu caminho, livre para chorar minhas dores tendo por companheiros todos os amores meus.
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Lindo.
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