Fazer amizades na vida adulta pode ser um desafio crescente para muitas pessoas. Um exemplo comum disso é quando até mesmo conversas simples, como trocar palavras com um vizinho no elevador, começam a parecer exaustivas. A sensação de cansaço social não é exclusiva dos mais jovens. Recentemente, uma terapeuta de 46 anos compartilhou que, assim como muitos, evitava sair de seu apartamento ao ver um vizinho no corredor, evidenciando como essa barreira pode se manifestar em diferentes faixas etárias.
Segundo o MSN, esse comportamento, que pode parecer trivial, aponta para um fenômeno maior: o isolamento social, que vem crescendo em todo o mundo. A psicanalista Késia Rodrigues destaca que vivemos em uma era marcada pela individualização e pelo afastamento, criando o que especialistas chamam de “epidemia da solidão”. Em novembro de 2023, a OMS reconheceu esse problema como uma prioridade global de saúde. Dados de uma pesquisa do Instituto Ipsos, de 2021, mostram que 50% dos brasileiros se sentem sozinhos, um número alarmante comparado à média global de 33%.
Para romper esse ciclo de isolamento, o primeiro passo é reconhecer a dificuldade crescente que temos em lidar com frustrações e divergências, conforme aponta Elisama Santos, especialista em saúde mental. “Não conseguimos suportar a discordância. Mas nenhuma amizade vai ser só maravilhosa, e não vai existir ninguém disposto a admirar todas as nossas características. É na divergência que ampliamos os nossos horizontes”, afirma a especialista.
As redes sociais, que nos conectam mais virtualmente, podem estar contribuindo para o aumento do narcisismo e da intolerância às diferenças. No Brasil, que é o terceiro maior consumidor de aplicativos de redes sociais do mundo, segundo a Comscore, essa realidade se reflete nas interações online, onde é comum “selecionarmos” com quem falamos, eliminando aqueles que discordam de nossas opiniões. Para Elisama, essa realidade “personalizável” nos torna “criteriosos e inflexíveis”. Ela ainda cita Freud, lembrando que “todas as relações humanas são majoritariamente frustrantes, pois o próximo não nasceu para atender às nossas vontades”.
Segundo a especialista em terapia cognitivo-comportamental, Sophia Sahd Moraes, com o passar do tempo, deixamos de enxergar a amizade como uma prioridade e passamos a focar em obrigações profissionais e familiares. Para fazer novas amizades, é preciso um esforço consciente para reverter essa dinâmica. “Conexões podem ser encontradas em qualquer lugar”, afirma Sophia. Frequentar locais que estimulem interesses em comum, como clubes de leitura ou aulas de dança, é um ótimo ponto de partida. Participar de trabalhos voluntários também pode aumentar as chances de conhecer pessoas com valores e princípios semelhantes.
No entanto, Sophia ressalta que simplesmente estar em um ambiente social não basta. “Se eu saio de cara fechada, estou barrando o processo de conhecer pessoas”, alerta. Elisama complementa: “A vida nos destina a encontros tão legais, mas o quanto estamos abertos a isso?”. Ela compartilha a história de uma amiga que conheceu o marido no ônibus e, dez anos depois, estão casados.
Muitas vezes, as pessoas acreditam que a “fase boa” para fazer amigos ficou no passado. Contudo, essa ideia pode ser limitante. “Associamos o período de produção laboral a ser feliz, a amar, a encontrar pessoas, a estar bem, e isso é muito violento”, afirma Elisama. Ela reforça que as amizades oferecem um tipo de relação diferente, onde não apenas pedimos, mas também damos algo em troca.
Para mulheres acima dos 40 ou 50 anos, que podem acreditar que suas chances de construir amizades duradouras acabaram, Elisama recomenda refletir sobre em que momento essa ideia foi estabelecida. “Quem disse que não posso descobrir uma grande amiga agora?” Ela ressalta que, após uma certa idade, ganhamos um nível de liberdade e despreocupação com o futuro que é excelente para nutrir novas conexões.
Fazer amizades duradouras na vida adulta exige disposição para se abrir ao novo e tolerar as diferenças. A vida oferece inúmeras oportunidades de encontros valiosos — cabe a cada um de nós estar disposto a aproveitá-los. Como afirma Elisama, “somos muito interessantes para ficar fechados em caixinhas herméticas. Permitir que a curiosidade tome conta deixa o mundo muito mais legal”.
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