Essa semana assisti ao excelente “Nyad” (em cartaz na Netflix) e me surpreendi com a cinebiografia baseada na história real da autora, jornalista e nadadora Diana Nyad que, aos 64 anos, se tornou a primeira pessoa a nadar os 170 quilômetros de Cuba até a Flórida. (obs: próximo parágrafo contém spoiler)
Diana fez sua primeira tentativa de travessia em 1978, aos 28 anos. Não conseguiu. Aos 60, porém, decidiu que era o momento de tentar novamente. Fez mais 3 tentativas, sem sucesso. Na quinta tentativa, aos 64 anos, alcançou seu objetivo.
Uma das frases que me marcaram no longa é: “Precisamos acordar todos os dias e tentar de novo, até conseguirmos”. Essa afirmação serve tanto para Nyad – que se propunha a realizar um feito inédito – quanto para todos nós, que cotidianamente precisamos enfrentar a vida e nós mesmos, de que forma for.
Acredito que a experiência de se sentir viva – intensamente viva – era o motor propulsor de Diana. Muitas vezes buscamos a VIDA dentro da vida, e essa necessidade nos aproxima tanto da satisfação quanto da dor; a pulsão de vida e de morte andam lado a lado.
Nyad sentia dores, náuseas e alucinações. Porém, nada disso a detinha. Ao contrário, quanto mais desafiadora a travessia, mais força ela encontrava para percorre-la.
Há dores que nos derrubam e dores que nos despertam. Dores que nos ferem e dores que nos salvam. Dores que nos machucam e dores que nos desafiam. Dores que nos despedaçam e dores que nos encorajam a virar a página e a ressignificar o sofrimento.
A dor é um farol. Um sinal que aponta um caminho, uma direção. A função da dor é mostrar que algo não vai bem – há uma doença no corpo, mente ou espírito por trás dos sintomas e é preciso fazer algo com isso. Não estacionar no sofrimento e sim usá-lo como impulso para a mudança e transformação.
Sempre tive uma relação difícil com o meu corpo, pois ele dói. Porém, ele me traz mensagens através da dor. As dores me convocam a escrever e apontam que algo não vai bem dentro de mim.
Tratar o sintoma, diminuir a angústia e cuidar da saúde é essencial. Porém, muitas vezes é necessário calar o barulho externo e olhar para o interior. O silêncio tem que ser escolhido, a pausa tem que ser preferida, a introspecção tem que ser uma opção.
O corpo é intuitivo, revela que temos que descer as escadas até o porão de nós mesmos e olhar para situações que estamos evitando.
Todos nós carregamos porões. Alguns mais limpos e ventilados, pois estão com a manutenção em dia; outros mais escuros, empoeirados e claustrofóbicos, porque não foram olhados com compaixão, entendimento e perdão.
O corpo traduz em dor os argumentos não ditos, as falas reprimidas, os discursos engolidos. O sintoma é uma palavra enclausurada.
Autocuidado é identificar o que te adoece e não ter vontade de voltar a experimentar o doce veneno daquilo que é tóxico para você. É reconhecer o que te causa dor e não se expor desnecessariamente ao sofrimento. É descobrir o ambiente que te deixa enfermo e construir seu caminho bem longe dele. É se proteger e colocar limites.
Ao tentar a travessia de Cuba até a Flórida, Diana Nyad não teve que enfrentar apenas o desafio do esporte, isto é, nadar. Muito mais que ter fôlego e preparo físico para dias e noites em alto mar, ela teve que enfrentar tubarões, águas-vivas e vespas-do-mar. O veneno desta ultima quase colocou tudo a perder. Agora imagine se ela ficasse exposta ao ser vivo mais venenoso do mundo, sem nenhuma proteção? Não adianta reclamar da intoxicação se você continua respirando o veneno que te intoxica.
Assim, se vale algum conselho, cuide de você. Reconheça seus limites, suas claustrofobias, seus gatilhos de dor e se proteja de tudo aquilo que te adoece. Não permaneça em lugares que te machucam, em relações que te intoxicam, em oceanos que te envenenam. Não adianta reclamar da desordem causada pelo vento se foi você que deixou as janelas abertas.
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