Fabíola Simões

As maiores e mais belas transformações não acontecem em mares calmos ou em estradas retilíneas

Aurora era uma mulher cheia de ausências. De vez em quando se perdia em devaneios, e viajava para mundos distantes, talvez outras épocas, períodos de tempo mais antigos que seu próprio espírito. Falava-se com ela e ela não ouvia. Nada a afetava nesses momentos. Porém, quando retornava, de vez em quando sensibilizava-se demais, além da conta. Uma notícia na tevê, um comentário nas redes sociais… e Aurora perturbadíssima, como se aquilo acessasse dentro dela mundos e tristezas ocultas, porém latentes, que esperavam avidamente para emergir das profundezas. Seu mundo interior era vasto e rico, e por isso uma tristeza inédita não era apenas um lamento. Era o gatilho para tristezas misteriosas, talvez de outras vidas, virem à tona.

Quando o coração de Aurora estava longe do lugar onde se encontrava, a violência do momento não a atingia. Sorte sua possuir coração e mente viajantes, talvez para se poupar, ou mesmo se proteger. Quando a realidade é difícil de digerir, o corpo encontra saídas para se resguardar.

Aurora tinha medo de se apaixonar. Ouvira dizer que quando se apaixonasse, facilmente se machucaria por coisas simples e bobas. Tinha medo da dor. E, mais que isso, não queria sentir-se frágil ou vulnerável. Havia escutado histórias de pessoas que perderam o foco da própria vida, arriscaram suas carreiras por uma paixão, curvaram-se como cães humilhados, sucumbiram ao desejo e consumiram-se como velas queimadas.

Preferia abrigar-se em seu mundo de histórias inventadas, sem um pingo de desejo por coisas palpáveis, reais e invariavelmente impossíveis, que fatalmente levariam a um sofrimento maior.

Desafiava o amor, provocava a paixão e incitava a vida para um duelo. Em seu íntimo, porém, só desejava livrar-se do medo. E que a vida, o amor e a paixão lhe dessem a mão, convidando-a a não se acovardar.

Então, assim como uma gripe chega sem avisar, uma nova febre a consumiu. E não havia remédio, unguentos ou fugas mágicas para mundos distantes que pudessem aplacar aquela nova sensação que tomava as rédeas de seu corpo e pensamentos.

Descobriu que por mais que você queira escolher quem amar, ou que rotas trilhar para chegar ao melhor lugar, o amor e a vida não estão nem aí para aquilo que você considera certo, justo ou compreensível.

Então, só restava a ela aceitar. Entendendo que poderia permitir-se estilhaçar, aumentando seu repertório de histórias para contar, ou simplesmente abrir a porta e deixar a ventania entrar, descobrindo que as maiores e mais belas transformações não acontecem em mares calmos ou em estradas retilíneas. Ao contrário, chegam no susto, na onda imprevisível, na descida íngreme e sem freios. Depois disso, nada volta a ser como antes. Nem a alma, nem os batimentos no peito, nem ela mesma.

Fabíola Simões

Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

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  • Esse texto veio ao encontro de um momento atual na minha vida. Espero chegar ao entendimento final.
    Ótimo texto ❤️

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