Que dores você silenciou dentro de si? Você sabe? Ou fez isso tão inconscientemente que elas emergem de vez em quando e latejam em lugares que você nem sabia que existiam? Que dores você sufocou? Que dores silenciou?
Outro dia estava lendo a coluna de Martha Medeiros no Instagram e o texto, intitulado “Não é fácil mergulhar”, trazia uma reflexão acerca da dificuldade que temos de descer às camadas subterrâneas de nossa existência. Um trecho, citando um dos melhores filmes que assisti nos últimos tempos, me arrebatou. Dizia o seguinte:
“”Não agrega nada à sociedade” foi o comentário rasteiro que li outro dia sobre o filme “A filha perdida”, mas poderia ser sobre qualquer outra obra profunda, sujeita a julgamentos morais. Quem nasceu para pé na areia não alcança. Não é demérito, apenas despreparo. Não recebeu o treinamento da literatura, da filosofia, da psicologia. Ficou sem oxigenação para interpretar subtextos, silêncios, angústias universais. Não chega lá embaixo, onde se enxerga o que não se vê.”
Nem tudo mora no visível, e tentar encontrar a ordem das coisas tendo como base somente aquilo que pode ter explicação lógica, ou comprovação científica, ou é moralmente aceito, correto e decifrável, é limitar a vida. É preciso fugir do senso utilitário das coisas e conseguir ir mais fundo, decifrando o que não é dito, mas nem por isso inexiste; aceitando as entrelinhas; autorizando os segredos e introspecções da alma.
Enquanto você não ousar buscar-se, irá colecionar mal entendidos consigo mesmo; não ventilará os pensamentos nem enfrentará aquilo que lhe rouba a alegria e você nem sabe que existe.
Muitas vezes decidimos não nos inquietar nem entrar em contato com nossa intensidade, mas a dor reprimida tem a força de um trovão, e emerge nas horas mais impróprias: um dedo trancado numa porta, um cotovelo luxado numa quina, uma saudade espantosa de alguém, uma comoção exagerada diante de um filme bobo…
Evitamos a dor, mas ela nos alcança. E traz à tona, por motivos banais, aquilo que foi calado nas profundezas. Você acha que está no controle, mas a alma abriga pulsões incontroláveis.
Não tenha medo de se desorganizar para depois encontrar sua ordem interna. Às vezes é preciso despir a roupagem do mundo para acessar nossa camada mais íntima, a que revela nossa própria voz.
Vida é mistério. Às vezes calmaria; outras, vendaval. As mudanças mais profundas acontecem com a força de um temporal – arrancam nossas certezas, abalam nossa fé, fazem ruir nosso controle. Ao final, cabe a você escolher como irá se rearranjar: como caco de vidro cortante, cicatriz e lágrima ou recusando-se a ser definida pela dor: fazendo arte da sua tempestade, transformando ruínas em mosaico, convertendo abismos em caleidoscópios e poeira em poesia…
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