Ju Farias

Assumir quem somos é encarar o espelho que nos mostra por dentro

Sou forte feito uma rocha. Ao mesmo tempo, choro igual criança quando meu coração se parte. Sou música brega e clássica dançando junto no meio da sala. Sou calmaria e tempestade. Luz e escuridão.

Há uma parte de mim que sonha alto, outra já cansou de esperar que o mundo vire um bom lugar. Um pedaço do meu corpo segue em frente, mas o outro quer uma trégua do tempo, que não para de correr entre nossos dedos, poros e peles.

Me gosto na maioria das vezes. Porém, alguns dias parece que nem deveria ter saído da cama, sei que você também é assim, todos nós somos. Temos esperança (s) pela alma inteira, mas algumas partes da nossa história nos obrigam a fincar os pés no chão.

Aprendi a perdoar e me manter distante de quem me machuca, aprendi a fazer os dois ao mesmo tempo. Não tenho inimigos, embora algumas pessoas não tenham mais a porta aberta em meu peito. É que aprendi a evitar o dano, mas escolhi fazer isso não vivendo-o. Foi assim que aprendi e entendi que somos melhores quando desculpamos nosso algoz, mas burros quando estamos sempre reabrindo as feridas que nunca cicatrizaram (e nem vão – e está tuuuudo bemmmm ser assim).

Me compadeço do sofrimento alheio, mas perco a paciência com quem não aprende com seus erros. Não sinto solidão, porque aprendi que somos todos um pouco sozinhos. Minha solitude me acompanha cada dia mais um pouquinho, mas são coisas diferentes porque a solidão não tem relação com a quantidade de pessoas que nos rodeiam, mas com o quanto somos desejados por elas. Não confunda isso com ser útil. É preciso estar com quem nos ama, apesar da nossa inutilidade. E amar, amar além do que podem nos proporcionar.

É bom ser bom, mas até a bondade em excesso é ruim. Quero dizer que é bom ser bom, até um pouco bobo. Mas, como dizia Lispector: “não confunda bobo com burro”. Não seja burro. Aceite os presentes da vida, mas devolva quando estiverem acompanhados de algo que você não acredite. A moeda de troca só é útil para quem não joga limpo.

Aprendi com quem mais amei que a decepção pode até matar por dentro. E que por mais que o amor seja incrivelmente potente, ele nunca valerá a nossa dignidade, nosso merecimento de um amor bonito e o direito ao nosso espaço no mundo.

Aprendi que não podemos convencer as pessoas daquilo que achamos certo, mas que ficar em silêncio é compactuar de alguma forma com o que pensamos estar errado. Sempre pensei que respeito fosse algo importante na vida, mas hoje sei que ele é muito mais do que importante, ele é inegociável.

Compreendi que amar alguém sem admirar é como pão puro, pode ser que tenha gente que goste, mas eu não vejo a menor graça. Tenho fé em Deus, mas nunca li um versículo da bíblia sequer. Meu livro sagrado é feito daquilo que tiro de bom de cada ensinamento. Religião não é uma prática, a fé é.

Sei que muitas pedras atravessam (e atravessarão) o meu caminho, mas quero acreditar que as uso (e usarei) para fortalecer a ponte em que meus pés pisam. Temo menos a morte com 41 anos. Mas, às vezes, morro de medo da vida. Paulo Gustavo deixou uma lição importante pra gente, a de que sorrir é um ato de resistência. E viver? Viver tem sido um ato de coragem, tipo uma cápsula que a gente toma a cada dia para ficar mais forte. Afinal, “o mundo está ao contrário e ninguém reparou”.

No meio disso tudo, o aprendizado mais importante é o de que precisamos nos enxergar como humanos, mas humanos além do dicionário, não no sentido literal, mas figurado. Seres humanos cheios de falhas, mas também cheios de possibilidades. Que possamos ser pessoas, independente do que nos veste, muito além da idade que temos, do que escolhemos fazer ou ser na vida. Que sejamos indivíduos, mas não individualistas com o que podemos compartilhar.

Assumir quem somos, encarar o espelho que nos mostra por dentro, enfrentar as dores e os temores, os desamores, os desvios, as alegrias, os milagres mais simples que se apresentam diante dos nossos olhos como, por exemplo, aquela árvore que nasceu da semente da fruta que você jogou na terra sem pretensão alguma. Esse é o milagre que importa.

Talvez, se olharmos separadamente cada pedacinho da gente, concluiremos que não somos o que gostaríamos. Mas, se conseguirmos enxergar além daquilo que nos salta aos olhos, veremos que somos o melhor que podemos ser. E o grande segredo da vida é entender que nem sempre quem chega primeiro é o melhor. Às vezes, é só uma questão de quanto tempo se leva para fazer o percurso.

Às vezes, aliás, quem chega primeiro só chega primeiro porque nem sabia para onde ir, então foi reto. O que importa mesmo é não parar de caminhar, respeitando as curvas da estrada e as pontes quebradas. O que importa mesmo é se manter em pé, tocando em frente, jogando as pedras para longe e enchendo a mochila de fé.

Photo by Bekah Russom on Unsplash

Ju Farias

Não nasci poeta, nasci amor e, por ser assim, virei poeta. Gosto quando alguém se apropria do meu texto como se fosse seu. É como se um pedaço que é meu por direito coubesse perfeitamente no outro. Divido e compartilho sem economia. Eu só quero saber o que realmente importa: toquei alguém? É isso que eu vim fazer no mundo.

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