Cristiane Mendonça

A paz que mora na minha caixa de bijuterias

Uma amiga me disse que, certa vez, escutou de um colega que ele adorava passar o rodinho na pia. Puxar a água trazia a ele uma sensação de paz! Na república onde ele morava, sempre que “o bicho pegava”, ele ia para cozinha e raspava toda a água. Essa curiosa sensação de bem-estar vinda de uma tarefa doméstica me fez pensar na minha caixa com dezenas de bijuterias. Tenho uma porção delas, de todas as cores e tamanhos: são brincos e anéis que me fazem pensar que, talvez, eu tenha sido cigana em outra vida.

Pois bem! Nada me traz uma maior sensação de tranquilidade que abrir a caixa de bijuterias, dividida em 3 nichos, e organizar esses adornos supérfluos. No primeiro compartimento estão os anéis de lojas chinesas e os brincos menores. Estes, mais discretos e destinados ao trabalho. Começo os dividindo por cores. Os brincos de rosa vermelha, ao lado do de bolinha de mesmo tom. E assim vou: os azuis, os laranjas, os verdes e, se possível, de forma que os de tom prata fiquem separados dos dourados. Dá trabalho, pois o espaço é pequeno para tanta peça e é, exatamente nesta ocupação mental, que eu sossego a mente. Ali, concentrada na tarefa de separar tons e tamanhos, esqueço como é difícil organizar as relações pessoais. Não separamos os difíceis dos fáceis, os vermelhos de raiva misturam-se aos azuis de sossego. Porém, confesso: a paz mundial ou a tranquilidade do lar pouco me importam quando passo para o segundo nicho. Neste compartimento estão os brincos maiores que, classifico mentalmente, como os brincos de balada, mesmo que eu já não seja mais desse tipo de festa. Maiores, mais coloridos, de acrílico ou metal, essas peças alegres não ornam com meu dia a dia e a seriedade dos meus óculos de grau. Repousam ali, aguardando meu convite para um almoço de domingo, um aniversário ou um barzinho no sábado à noite, onde desejo assumir a sagitariana exagerada que mora dentro de mim. Então, os organizo por cores e observo como os recém-chegados convivem, pacificamente, com os que moram ali já alguns anos. Alguns brincos veteranos, com seus 14, 15 anos, não brigam com os que acabaram de chegar da Feira Hippie de Belo Horizonte. Alguns passam pouco tempo na caixa. Comprados em um momento específico deixam de se parecer comigo e partem para outras orelhas. Assim são as pessoas que chegam e partem de nossas vidas. Algumas ficam por anos, outras passam rápido.

No terceiro nicho, estão os brincos enormes e esfuziantes. Uma flor vazada de madeira, pintada em azul-turquesa; uma argola metade preta, metade prata; os brincos para praia, com linhas de crochê coloridas; os de pedraria, usados nos casamentos. Ali, na última parte, ficam os menos utilizados. Curioso: os brincos para os momentos especiais passam mais tempo na caixa do que nas orelhas. Qual dessas peças contam nossa história? Os brincos pequenos, usados no dia a dia; os médios para encontros de lazer; ou os esfuziantes, destinados às festas pomposas?

Organizada a caixa, sinto um equilíbrio: no mundo das bijus repousam, organizados e em paz, todos os que são diferentes. Não há conflitos entre eles, mesmo quando se misturam. As rosas entalhadas aceitam as linhas retas dos triângulos; os pequenos lustres não se estranham ao lado dos traços finos e delicados; as madeiras repousam ao lado dos metais e as cores quentes não lutam com as frias.

Tarefa concluída, reflito:

Ah! Quem dera a vida fosse uma caixa de bijuterias bagunçada que organizamos ao nosso bel prazer…

Imagem de Oksana Zhirukhina por Pixabay

Cristiane Mendonça

Cris Mendonça é uma jornalista mineira que escreve há 14 anos na internet. Seus textos falam sobre afeto, comportamento e Literatura de uma forma gostosa, como quem ganha abraço de vó! Cris é também autora do livro de crônicas "Mineiros não dizem eu te amo".

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