A tradução do título do filme como “A Voz Suprema do Blues” pode ser considerada errônea, até ambígua se você olhar mais de perto. Mas não há dúvida que o nome carrega uma provocação que dificilmente será esquecida. Porque a voz aqui não se trata especificamente do legado e importância da mãe do blues, mas do próprio gênero musical em si.
A superação das suas barreiras e tudo que foi desencadeado por sua causa. O blues é a matriz da música como conhecemos para qualquer estilo e, não tem como não enxergar isso, como muito bem descrito no texto brilhante interpretado e digno de Oscar para Viola Davis — pessoas brancas não entendem o blues verdadeiramente.
Contudo, o subtexto do filme vai mais além. Ele não se contenta em tratar da música. A música, ainda que seja o sentimento de toda a narrativa, ela é apenas uma desculpa para retratar e denunciar o racismo estrutural e as consequências brutais dele. É aí que entra Chadwick Boseman, em seu último e derradeiro papel. Leeve é uma das várias vozes silenciadas pelo racismo e também vítima da sua violência, da sua imposição secular. As escolhas do seu personagem são espelhos do que ele viveu e vive no presente sem saber como lidar.
Quando você presta atenção nessa agonia, o coração chega a ficar apertado. Complicado cravar com certeza se a edição e a direção resolveram mudar o corte final devido ao falecimento precoce do ator, mas é indiscutível o seu protagonismo.
Concorrer na categoria de Melhor Ator Coadjuvante seria desrespeitar uma atuação perfeita e inesquecível. “A Voz Suprema do Blues” é a realidade que entendemos como fictícia ou mero entretenimento.
Ou, ainda, podemos tentar perceber por outro ponto de vista: é o desespero atrás da porta desconhecida de sentimentos mais profundos e complexos, tudo isso com a Chicago segregadora dando o tom amarelado pra dizer que o blues ainda é uma história a ser reconhecida na sua plenitude como negra, e não abarrotada de palmas e elogios para os brancos que a usaram e usam até hoje.
Imagem de capa – Reprodução/Netflix
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