Fabíola Simões

Não é frieza, é medo de me apegar. Não é orgulho, é medo de me machucar

Recentemente citei uma série incrível que assisti no streaming Starzplay chamada “Normal People”. A série é uma avalanche de humanidade e desamparo, um reflexo honesto de nossas limitações e fragilidades, uma retratação franca de situações familiares a todos nós.

Num dado momento – (Obs: Esse parágrafo contém spoilers, se não quiser ler, pule para o parágrafo seguinte) , o personagem Connell, contando os trocados para pagar o quarto que divide com um colega, é despedido do emprego num mercadinho local e, por isso, terá que sublocar o quarto onde mora e voltar para a cidade natal. Outra opção seria se abrir com Marianne, sua namorada, e se mudar de vez para a casa dela, já que passa a maior parte dos dias e noites lá. Voltar para a cidade natal significaria um esfriamento do relacionamento, e até o término. Contar a verdade – que está sem grana e não tem onde morar – na cabeça dele significa se rebaixar, incomodá-la, ser um peso morto. Muito angustiado e sem se abrir sobre o que está lhe afligindo, ele passa os dias ao lado dela calado, com um nó na garganta. Ela não sabe de nada, e por isso não pode ajudá-lo. Quando finalmente chega o dia dele partir (porque acabou o dinheiro do aluguel), ele simplesmente diz a ela que eles deveriam sair com outras pessoas. Ela ouve, fica completamente arrasada, mas não tenta fazê-lo mudar de ideia. O orgulho é maior, e ela simplesmente concorda. Ele sai pela porta e, lá fora, chora. Ela quebra um copo na cozinha, e também desaba. Os dois seguem caminhos distintos, cada um para seu lado, e a gente percebe que tudo poderia ter sido diferente se simplesmente não houvesse orgulho, e se a comunicação fosse clara e transparente.

Embora não esteja óbvio, Connell e Marianne jogaram. Ao não serem transparentes, e optarem por ocultar suas fragilidades num escudo de orgulho e resistência, desistiram de algo que poderia fazer ambos felizes. Assim como eles, muita gente diz que não joga, mas joga. A intenção pode até ser boa – não quero incomodar, não quero fazer cobranças, não quero expôr meus sentimentos de bandeja, não quero ficar vulnerável – mas o simples fato de sermos antagônicos no querer, sentir e demonstrar torna nossas relações um blefe.

São tempos difíceis, e vivemos com medo de nos machucar. Puxamos o freio de mão nas relações e disfarçamos sentimentos para maquiar nossa fragilidade. “Bem resolvida” é aquela pessoa que não expõe sua vulnerabilidade e consegue encobrir sua insegurança, seu medo da solidão, seu anseio pela companhia ou resposta do outro.

O amor não causa medo. O que causa medo é amar e ter o coração despedaçado. A gente vai se tornando expert em matéria de não se apegar, não se envolver, não demonstrar. A gente finge que não se importa, cala quando quer gritar, foge quando quer se entregar. A gente fere pra não ser ferido, e abandona para não ser abandonado.

Comunicamos muito mal o que sentimos e desejamos, somos desconexos com nossas emoções e confundimos os outros. Entramos no jogo, topamos a dança, aceitamos a partida, mas quando algo começa a nos ameaçar ou fragilizar, nem sempre somos claros e honestos com nossa mudança de ritmo ou desistência do placar. Magoamos o outro para não nos machucar, e silenciamos covardemente quando poderíamos sentar e conversar.

Ninguém coloca a mão na mesma brasa duas vezes, ou arrisca levar um choque no mesmo lugar em que já se feriu. Aos poucos a gente aprende como deve agir para proteger o próprio coração. A gente silencia quando entende que nenhuma palavra dita fará diferença, e aprende a ser cada vez mais sucinto nas mensagens quando percebe que quanto mais caracteres, menos entendimento há.

Porém, diz-se por aí que as pessoas se afastam porque deduzem mais do que dialogam, e é verdade. Temos vivido um desencontro constante nas relações, um descompasso gigante entre o querer e o demonstrar, um medo absurdo de sermos classificados como carentes ou fracos ao assumimos o que realmente sentimos. Porém, eu pergunto: “Isso é vida?”

Há uma frase no livro “Os meninos que enganavam nazistas” que diz: “É melhor levar um tapa que machuca do que perder a vida por medo de levar um.” E é isso. Chega uma hora em que é preciso arriscar. Entender que o medo de ter medo nos paralisa e condena a viver uma vida pela metade.

Perca o medo de ousar, de perguntar, de se fazer presente, de assumir o que sente. Tá certo que “Coragem e covardia são um jogo que se joga a cada instante”, como disse Clarice L, mas de vez em quando devemos parar com os jogos que camuflam nossas reais intenções e simplesmente amar, mergulhar, transbordar… Afinal… só se vive uma vez!

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Fabíola Simões

Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

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  • Que lindo texto! Parabéns Fabíola Adoro seus livros.
    Tenho vivido dessa forma. Ouvi da pessoa que não queria me iludir, devido a nossa distância geográfica, e o respondi que se ele não gosta de criar expectativas tudo bem, mas não tem o direito de acabar com as minhas. Estava feliz vivendo aquele momento e estava tudo bem. As vezes bons momentos são tão raros que não devemos deixar de vive-lo por medo do futuro.

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