Cristiane Mendonça

Sobre unhas pintadas, memória e afeto

Uma mulher charmosa, tem unhas pintadas. E, antes que você faça algum juízo de valor sobre essa fala, acrescento: essa é a minha mais pura (e particular) opinião! E, opiniões, não são verdades.

Dito isso, preciso dizer que minha paixão por unhas feitas vem da infância. Lembro de aos sábados, ver a minha mãe, depois de ter feito uma caprichada faxina na casa, sentar-se no nosso velho sofá de couro mostarda, para se dedicar à tarefa de pintar as 20 unhas. Acomodava-se sempre no meio – já que, de cada lado, ela sabia que teria como companhia dois pequenos curiosos: meu irmão e eu, com cinco e seis anos de idade.

Naquele ritual de embelezamento particular, ela amolecia as cutículas em uma bacia d’água e ia, aos poucos, retirando-as com o alicate. Em seguida, lixava as unhas para que ficassem no formato arredondado, muito usado na década de 1980. Enquanto Chacrinha falava na TV, eu esperava ansiosa a minha vez. Claro, eu não teria as cutículas arrancadas, mas seria agraciada com a melhor parte: dedinhos coloridos.

Aos poucos, o pequeno pincel avermelhava as mãos maternas. Na minha memória, agora um pouco confusa e apagada pelo tempo, lembro que toda cor era cintilante e brilhava aos meus olhos! Minha mãe, tão moça e com longos cabelos pretos, parecia sempre ficar mais bonita com as unhas pintadas! Talvez, por isso, eu goste tanto do cheiro de esmalte e ame unhas feitas, pois elas sempre me levam aos sábados da minha infância, em que o meu universo era uma pequena casa limpa e três pessoas no sofá.

Um hábito que, neste ano estranho de 2020, deixei um pouco de lado. Minhas unhas, desde março, andam mais sem cor do que pintadas, tal como tem parecido a vida: pouco colorida e meio desbotada. Vez ou outra, ligo para a manicure do bairro que, com todos os cuidados, as colore para mim. Entre máscaras e lixas, ela me conta que aprendeu a fazer Ho’oponopono, uma prática havaiana antiga, que incentiva o perdão e o amor. Confidencia, com dignidade, que o dinheiro tem faltado neste ano de pandemia e, para dar conta da dura realidade, descobriu, com alegria, a meditação. Com os olhos marejados, me conta uma das coisas mais bonitas que ouvi, nos últimos meses:

_Na minha religião, se diz que essas coisas são do demônio. Porém, esse coronavírus abriu os meus olhos e me fez ver que Deus está em tantos lugares e de diferentes formas. Uma coisa tão bonita como o Ho’oponopono não pode ser ruim! Antes parecia que havia um muro entre mim e certas coisas e, na pandemia, esse muro caiu.

A sinceridade em sua confissão, me emocionou. E, novamente, entre unhas pintadas, colori o meu coração. Havia afeto nos anos 80, como também há afeto em 2020.

Cristiane Mendonça

Cris Mendonça é uma jornalista mineira que escreve há 14 anos na internet. Seus textos falam sobre afeto, comportamento e Literatura de uma forma gostosa, como quem ganha abraço de vó! Cris é também autora do livro de crônicas "Mineiros não dizem eu te amo".

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  • Na simplicidade da manicure, a sabedoria de que precisamos para entender que Deus não escreve certo por linhas tortas, como diz o ditado; Deus escreve certo por linhas certas, por mais erradas pareçam para quem ainda nao aprendeu a ler.

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