Não se iluda! Uma casa não é feita de cimento e tijolos, mas de palavras e comportamentos. Cada morador que nela habita imprime nas paredes a sua essência, o seu jeito de viver e a sua forma de pensar. Como esponja, a casa absorve a nossa energia e a reverbera em cada canto.
Lençóis limpos, quadros de paisagens, almofadas coloridas, vasilhas lavadas sobre a pia, plantas regadas, poeira retirada e cantinhos varridos não são apenas regras de higiene ou decoração, mas cuidado e amor que espalhamos pelo lugar onde vivemos.
A aparente organização que nos circunda nos traz uma paz velada, contada em segredo ao nosso coração… Ali, escondidos entre os objetos dos armários, dormem nossos sonhos e as nossas angústias. E, como tudo nesta vida de labuta, esperam de nós, atitude.
A paciência dedicada à extinção do mofo inconveniente, a retirada – um a um – dos livros na estante para que sejam limpos, as aranhinhas que insistem em dividir conosco o espaço e as lixeiras abarrotadas nos convidam ao movimento, à atitude de fazer e refazer sempre em busca do novo.
Uma casa nos convida ao exercício da convivência, seja na divisão do banheiro, no compartilhamento da TV ou na mesa posta às visitas. Dentro dos espaços, geometricamente, pensados por engenheiros civis, nos submetemos a formas diversas: nos arrendondamos para o amor, nos esticamos para perdoar ou criamos pontas hexagonais para dar conta de cada atividade e sentimento exigidos.
Pelas janelas, deixamos o sol entrar e refletir a luz, avistamos a chuva, assistimos o dia e a noite chegarem de forma a nos dizer sobre o ciclo da vida que raia e escurece, que suja e limpa, que nasce e morre, que ama e enraivece a cada vez que pisamos o chão dos nossos lares, esses lugares que assim chamamos, não por serem nobres ou modestos, mas por abrigarem nossas vidas.
Porém, é preciso lembrar: o cuidado para com a nossa casa nos traz conforto, mas somente as boas palavras protegem seus moradores. Há de cultivarmos, assim como as flores nos vasos, a nossa fé, semeando pela casa a nossa espiritualidade. É necessário professar nossos sentimentos, de forma a regar o chão com as lágrimas, mas salpicá-lo com os nossos sorrisos. Repreender, às vezes duros como concretos, aqueles que conosco moram, mas deixar que depois nossos gestos os coloram como as tintas das paredes.
O cheiro de café fresquinho, a roupa de cama que exala o perfume do amaciante, os vestidos coloridos pendurados ao lado dos casacos sóbrios, as migalhas de bolo esparramadas sobre a mesa, o zunir da TV que ninguém lembrou de desligar. O cabelo bagunçado, os brinquedos pela casa e o prato sujo na pia que não rendem tantas fotos nas redes sociais, mas confidenciam que viver é verbo que se conjuga nas sutilezas. E que, afinal, morar é habitar um lugar com o nosso coração. Deixar que cada gesto, por mais simplório que seja, conte sobre os sentimentos do nosso lar: tristezas, alegrias, presenças e ausências, impressos pela casa tal como papéis de parede que decidimos decorar.
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Photo by Jonathan Borba on Unsplash
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