Fabíola Simões

Migalhas afetivas: a pessoa conversa com você ou só te responde?

Que atire a primeira pedra quem não teve qualquer tipo de plano cancelado por causa da quarentena. Que levante a mão quem não teve que se conformar com a impossibilidade de concretizar um mísero desejo nesse período. Que se pronuncie quem não teve algum tipo de expectativa quebrada com a pandemia.

Em maior ou menor grau, somos seres que esperam. Que desejam e fazem planos. Que acreditam ou têm fé no que virá. Em diferentes proporções, somos pessoas que vivem não somente no hoje, mas também no amanhã. E, querendo ou não, nosso futuro ficou incerto, nebuloso; foi, de alguma forma, cancelado. E mesmo que estejamos tirando de letra esse período, há momentos em que a impossibilidade – de qualquer coisa – nos aflige.

Se antes podíamos ir e vir, com a quarentena muita coisa se reduziu ao espaço da nossa casa, e grande parte da nossa conexão com o mundo ficou restrita à tela do celular. Assim, toda ansiedade, angústia e excesso de expectativas que tínhamos antes, ganhou proporções ainda mais agudas com o novo arranjo dos dias.

No meio disso, as relações que temos uns com os outros – mas principalmente com aqueles que nos interessam – se somou à incerteza do momento e tornou-se ainda mais difícil, ganhando contornos nem sempre explícitos, nem sempre claros, muitas vezes confusos e incompreensíveis.

Queremos nos sentir bem, menos angustiados, menos ansiosos, mais felizes e de bem com a vida. E nessa ânsia de recuperar o bem estar, muitas vezes acabamos metendo os pés pelas mãos e nos colocamos em situações ainda mais esmagadoras e inquietantes.

Não é errado você querer se sentir bem, sem angústia ou ansiedade. Não é ruim você desejar que sua expectativa em algo se resolva, e que você possa adquirir um tipo de prazer que vai dar novo sentido ao seu dia, à sua semana. Porém, muitas vezes esse momentâneo prazer será seguido por uma gigantesca frustração que pode lhe arrastar como uma onda desoladora.

Às vezes é preciso abrir mão do prazer imediato, que é o prazer que vou ter em mandar aquela mensagem ou visualizar aquele story… e entender que depois pode vir uma ressaca moral ainda maior, gerada pela falta de reciprocidade.

Os sinais existem, e a gente sabe disso. Porém, muitas vezes preferimos não enxergar. Ou enxergamos, mas ainda não estamos prontos para aceitar. Pois criamos expectativas. E mesmo dizendo para nós mesmos que não esperamos nada, lá dentro ainda há uma vozinha de esperança. Se não houvesse, você não tentaria (“só mais um pouquinho, para ver qual é”). Se não existisse, você não arriscaria aliviar um tantinho da sua angústia de não saber absolutamente nada da vida do outro.

Muitas vezes nos contentamos com migalhinhas afetivas porque simplesmente estamos tão angustiados com nossas incertezas que acreditamos que aquele prazer em receber um “bom dia” seco e sem graça pode aliviar um pouco nossa inquietação. Mas não alivia. Na verdade, só piora.

Às vezes precisa doer de uma vez para parar de doer. Contentar-se com migalhinhas afetivas, com respostas monossilábicas à mensagens elaboradas, com falta de posicionamento da outra pessoa, com falta de conexão e conversas mais abrangentes, além de um simples “bom dia” ou “boa noite”… é sofrer de forma parceladinha. Às vezes é preferível ter um sofrimento total, com uma boa dose de tristeza e luto, do que ficar preso à uma dor a conta gotas, que não nos liberta para seguir em frente.

Pare de falar que não vai criar expectativas. Só de falar isso, você já as criou. Talvez fosse mais honesto encarar que você espera sim, que você aguarda uma resposta sim, que você deseja mais desse alguém que só responde suas mensagens, mas nunca, em hipótese nenhuma, conversa realmente com você. Admitir que isso dói, que isso não te faz bem, que isso aumenta sua angústia ao invés de aliviá-la é o primeiro passo para arcar com as consequências das expectativas que você cria. Respeite sua tristeza, sofra total e não parceladamente, e decida, de uma vez por todas, se isso lhe basta.

E lembre-se: Migalha não é pão. Migalha é migalha.

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Fabíola Simões

Fabíola Simões é dentista, mãe, influenciadora digital, youtuber e escritora – não necessariamente nessa ordem. Tem 4 livros publicados; um canal no Youtube onde dá dicas de filmes, séries e livros; e esse site, onde, juntamente com outros colunistas, publica textos semanalmente. Casada e mãe de um adolescente, trabalha há mais de 20 anos como Endodontista num Centro de Saúde em Campinas e, nas horas vagas, gosta de maratonar séries (Sex and the City, Gilmore Girls e The Office estão entre suas preferidas); beber vinho tinto; ler um bom livro e estar entre as pessoas que ama.

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  • As vezes a pessoa nem conversa e nem responde mas o carente e psiquicamente pobre ama muito tudo isso.

  • Eu estava vivendo esse drama a pouco tempo com meu ex-namorado, justamente isso que eu não queria mais Receber migalhas dele, sempre esperando que ele fosse tomar a iniciativa apos eu ter dado aquele bom dia ou boa noite com tanto carinho, fui percebendo aos poucos o quanto ele era seco e insensível a uma simples mensagem em ser recíproco comigo. Só respondia quando queria e já não me chamava mais pelo nome ou com um apelido carinhoso, e estava sempre monosilábico comigo, ou só era atencioso e não carinhoso quando algo interessava a ele em me pedir. E só me tratava aparentemente com carinho na horas de me seduzir pra ir pra cama transar com ele e nada mais! Comecei a me cansar dessa situação prisioneiro decidi mudar, dar um basta e me valorizar ter amor próprio seguir em frente e esquecer bloqueei nas redes sociais e troquei o chip do meu telefone, hoje me sinto leve, consigo colocar meus planos em dias como estudar, trabalhar e dormir ate melhor sem a presença dela, juro que não me faz nenhuma falta estou liberto de corpo e alma!

  • Sempre tive a preocupação de não ser injusto e achar que todos têm o benefício da dúvida. É sempre bom conversar e tentar alinhar, até mesmo porque o outro tem um rotina ou pode não estar no melhor clima para uma conversa. Porém se a pessoa vive na "correria" e não tem iniciativa para nada, o melhor é se afastar logo mesmo que doa. E isso se aplica não somente aos crushes da nossa vida, mas nas nossas relações interpessoais de modo geral. Ouvir a própria intuição ajuda, mas também é importante olhar para dentro de si e, se for o caso, buscar ajuda especializada para que a gente aprenda a se blindar de pessoas assim.

  • Você descreveu exatamente o que estou vivendo agora. Obrigado pelas palavras vou usar como uma força pra continuar, sofrer de uma vez, e seguir. Parabéns pelo texto.

  • Acho seus textos ricos de sensibilidade e muito honestos. Eu estava conversando sobre isso há pouco com uma amiga ... Quando a gente se conhece o suficiente não aceitamos migalhas. Sabemos o nosso valor e abrimos mão de pesos!

  • E muitos acreditam na máxima "de migalha em migalha a galinha enche o papo". Isso sim é papo furado. O texto é acertado e não posso acrescentar, apenas convido Drummond porque o tempo requer poesia (e um bocado de álcool também, para quem ainda não comprometeu demasiado o fígado).

    E vieram dizer-nos que não havia jantar.
    Como se não houvesse outras fomes
    e outros alimentos.

    Como se a cidade não nos servisse o seu pão
    de nuvens.

    Não, hoteleiro, nosso repasto é interior
    e só pretendemos a mesa.
    Comeríamos a mesa, se no-lo ordenassem as Escrituras.
    Tudo se come, tudo se comunica,
    tudo, no coração, é ceia.

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