Cristiane Mendonça

Comer, rezar e amar em tempo de coronavírus

Hoje completo quinze dias de trabalho home office devido à pandemia de coronavírus. Quando recebemos a informação de que trabalharíamos em casa, sem data prevista para o retorno ao escritório, as dúvidas logo surgiram: como nos comportaríamos nesse novo formato; como nos adequaríamos a ele e o que teríamos pela frente? Três semanas de cinco dias úteis depois, cá estou diante de um universo em transição. A tecnologia na mesa do café da manhã até a hora de dormir: diálogos via WhatsApp, videoconferências, lives, reuniões on-line, encontros virtuais com os amigos, assistir a séries e filmes, ler livros e fazer atividades físicas orientados pelo computador, tornaram-se comportamentos rotineiros. No trabalho ou no ócio, nossas únicas distrações recomendadas são as telas, onde apenas os conteúdos variam. E haja conteúdo!

Nos demos conta de que a liberdade de ir e vir ficou limitada devido ao cuidado coletivo, que o abraço nas pessoas queridas tem feito muita falta e, o olho no olho, sem pixels, é precioso! De todas as saudades que estamos acumulando nestes dias difíceis, as relações afetivas, sem o uso de máquinas, é a maior delas!

Enquanto os profissionais de saúde, segurança e serviços essenciais mantêm uma rotina de trabalho que exige força física e, sobretudo, mental; aqueles que se isolam se veem diante de paredes que não falam, mas testemunham transformações íntimas. Mudanças desde simples comportamentos a formas de enxergar nós mesmos e os outros.

Nestes dias em que a casa é, ao mesmo tempo, emprego e lar, fiz as pazes com o meu lado cozinheira e tenho saboreado os meus pratos muito mais do que os almoços nos restaurantes. Minhas receitas mineiras, sempre bem acompanhadas de abobrinhas e outros legumes comuns nas hortas, acalentam a saudade dos almoços de infância.

Ao sair na rua, busco a essencialidade de tudo: desde a lista de compras aos passos que dou. Sinto que nada deve sobrar, mas apenas ser necessário.

Tenho me esforçado para não desperdiçar palavras, mas costurá-las no intuito do fortalecimento mútuo. Nem sempre consigo, eu sei. Muitas vezes, por pura necessidade humana, reclamo, remoo e me amarguro. Nessas horas difíceis, recorro à espiritualidade e faço minhas orações, que têm se intensificado nos últimos tempos. Rezar também é uma forma de cura.

As circunstâncias, maiores do que nós, nos oprimem, mas também nos libertam. É como rasgar, costurar e remendar: diante do tecido reformado, a roupa é quase outra. Ali está o vestido, antes de cor única, agora salpicado de malhas florais.

_Tão bonito quanto o original?

_Não sei.

_Diferente?

_Com certeza.

_Novo?

_Depende de como você o olha.

As crises que batem em nossas portas não são assim? Rasgam a veste de nossa alma e nós – a contragosto ou resignados – a refazemos.

Parafraseando a escritora Elizabeth Gilbert, no livro “Comer, rezar, amar”, minha palavra preferida no momento é attraversiamo, vocábulo italiano que significa, em tradução livre, “atravessar”. Irmos de um lugar para outro, sempre. Com os nossos vestidos remendados, mas caminhando.

Imagem de capa: Comer, Rezar e Amar- foto reprodução/divulgação

Cristiane Mendonça

Cris Mendonça é uma jornalista mineira que escreve há 14 anos na internet. Seus textos falam sobre afeto, comportamento e Literatura de uma forma gostosa, como quem ganha abraço de vó! Cris é também autora do livro de crônicas "Mineiros não dizem eu te amo".

Share
Published by
Cristiane Mendonça

Recent Posts

Como Gerenciar as Emoções em Momentos de Muito Estresse no Trabalho

O estresse no ambiente de trabalho é uma realidade cada vez mais comum. As exigências…

1 dia ago

Sobrevivendo ao abuso: como o EMDR transformou sua vida

"Foi então que uma amiga me recomendou o EMDR..."

3 semanas ago

A arte do day trading: quando cada segundo conta

O day trading é uma das formas mais dinâmicas e fascinantes de investimento, mas também…

3 semanas ago

EMDR: a abordagem psicoterápica adotada por famosos e que pode mudar a sua vida

Saiba mais sobre essa abordagem psicoterápica EMDR, prática reconhecida pela OMS e acessível também através…

4 semanas ago

Um dos romances mais amados de todos os tempos acaba de chegar à Netflix

Jane Austen, mestra em retratar as complexidades das relações humanas e as pressões sociais do…

4 semanas ago