Hoje completo quinze dias de trabalho home office devido à pandemia de coronavírus. Quando recebemos a informação de que trabalharíamos em casa, sem data prevista para o retorno ao escritório, as dúvidas logo surgiram: como nos comportaríamos nesse novo formato; como nos adequaríamos a ele e o que teríamos pela frente? Três semanas de cinco dias úteis depois, cá estou diante de um universo em transição. A tecnologia na mesa do café da manhã até a hora de dormir: diálogos via WhatsApp, videoconferências, lives, reuniões on-line, encontros virtuais com os amigos, assistir a séries e filmes, ler livros e fazer atividades físicas orientados pelo computador, tornaram-se comportamentos rotineiros. No trabalho ou no ócio, nossas únicas distrações recomendadas são as telas, onde apenas os conteúdos variam. E haja conteúdo!
Nos demos conta de que a liberdade de ir e vir ficou limitada devido ao cuidado coletivo, que o abraço nas pessoas queridas tem feito muita falta e, o olho no olho, sem pixels, é precioso! De todas as saudades que estamos acumulando nestes dias difíceis, as relações afetivas, sem o uso de máquinas, é a maior delas!
Enquanto os profissionais de saúde, segurança e serviços essenciais mantêm uma rotina de trabalho que exige força física e, sobretudo, mental; aqueles que se isolam se veem diante de paredes que não falam, mas testemunham transformações íntimas. Mudanças desde simples comportamentos a formas de enxergar nós mesmos e os outros.
Nestes dias em que a casa é, ao mesmo tempo, emprego e lar, fiz as pazes com o meu lado cozinheira e tenho saboreado os meus pratos muito mais do que os almoços nos restaurantes. Minhas receitas mineiras, sempre bem acompanhadas de abobrinhas e outros legumes comuns nas hortas, acalentam a saudade dos almoços de infância.
Ao sair na rua, busco a essencialidade de tudo: desde a lista de compras aos passos que dou. Sinto que nada deve sobrar, mas apenas ser necessário.
Tenho me esforçado para não desperdiçar palavras, mas costurá-las no intuito do fortalecimento mútuo. Nem sempre consigo, eu sei. Muitas vezes, por pura necessidade humana, reclamo, remoo e me amarguro. Nessas horas difíceis, recorro à espiritualidade e faço minhas orações, que têm se intensificado nos últimos tempos. Rezar também é uma forma de cura.
As circunstâncias, maiores do que nós, nos oprimem, mas também nos libertam. É como rasgar, costurar e remendar: diante do tecido reformado, a roupa é quase outra. Ali está o vestido, antes de cor única, agora salpicado de malhas florais.
_Tão bonito quanto o original?
_Não sei.
_Diferente?
_Com certeza.
_Novo?
_Depende de como você o olha.
As crises que batem em nossas portas não são assim? Rasgam a veste de nossa alma e nós – a contragosto ou resignados – a refazemos.
Parafraseando a escritora Elizabeth Gilbert, no livro “Comer, rezar, amar”, minha palavra preferida no momento é attraversiamo, vocábulo italiano que significa, em tradução livre, “atravessar”. Irmos de um lugar para outro, sempre. Com os nossos vestidos remendados, mas caminhando.
Imagem de capa: Comer, Rezar e Amar- foto reprodução/divulgação
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