Eu falo pra todo mundo que é importante respeitar o que o outro pensa, exceto quando a pessoa discorda de mim e tiver o pensamento coletivista, daí pego a minha bolha de hipocrisias e saio distribuindo intolerâncias por aí.
Eu falo que a mulher pode fazer o que quiser, menos usar shortinho tipo Anitta – porque convenhamos, ela tá pedindo. Eu falo que toda mulher merece ser tratada com amor, mas no Carnaval eu sou o primeiro a querer passar o rodo. Mas eu também sou o outro lado que se diz feminista e quero direitos iguais, mas tenho essa tendência conservadora e dou pitaco sobre as escolhas alheias, mesmo quando o assunto não é sobre o meu corpo e regras.
Eu sou essa mistura de gêneros por dentro, mas por fora faço questão de me posicionar sempre a meu favor, principalmente quando o preconceito reverso ataca os meus privilégios e os mimimi do colonialismo e da história que eu nem participei começam. Eu sou essa falsa ternura enrustida de ser humano. Só que o meu lado humano só serve se for para quem está comigo – a minha família e quem concorda com tudo o que eu digo ou faço.
Eu sou o martelo e o prego da hipocrisia social, cultural e emocional. Ela é louca. Ele é coitadinho. Aquilo que eu nem sei o nome, meu Deus, só não quero perto de mim e dos meus filhos. Eu sou a pessoa que quer transitar em todos os mundos, mas que nunca precisou passar por um perrengue maior do que esperar um Uber na porta do shopping por 30 minutos por causa do trânsito.
Eu sou pura arrogância nos relacionamentos que fracassaram porque se a outra pessoa realmente me amasse de verdade, ela faria e seria tudo o que eu peço. Eu sou o bom senso que não tem político de estimação, mas que alimento um ódio saudável e pago por ele, achando que é de graça.
Não, nem adianta querer criticar. Eu tenho resposta pra tudo: não vou me rebaixar ao seu nível, você é grosseiro (a), você não respeita a minha opinião (ainda que eu cague pra sua), você é decepcionante, vou falar pra todo mundo quem você é de verdade e etc.
A minha munição é a ausência de vocabulário emocional e de didática psicológica. Eu tento ser uma pessoa do bem todos os dias, mas tenta entender – se tem uma vaga ali ou fulano não prestou atenção quando chamaram, por que não aproveitar a chance? Né? Afinal, a vida é feita de oportunidades e você precisa saber aproveitá-las, caso contrário, você é lixo e fica pra trás.
Eu sou isso tudo e não mereço mais? Por quê? Conheço um monte de gente que fez e faz coisa pior e se dá bem. Não me julga. Todos os dias eu agradeço por ter saúde e disposição pra fazer o que a vagabundagem não tem capacidade.
Eu sou muita razão e pouca educação. Eu sou muita perversão e pouca colaboração. Eu sou mais hipocrisia do que aceitação. Eu vivo nessa bolha cheia de gente de bem, mas sem nenhum coração. Logo, a solidão. Mas tudo bem. Não preciso ou queria alguém mesmo. Vai lá pra onde acolhem essas porcarias e a total depravação. Aqui, na minha casa, na caixa de comentários minha ou de quem quer que seja, eu mando e desmando porque eu tenho direito de ter a minha opinião.
Eu sou a democracia, o farrapo de gente gritando quem é que pode o quê. Desculpa desapontar, a culpa é sua de não se encaixar na minha constituição, construção e consciência particular.
Imagem de capa: Tracy Le Blanc/Pexels
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