Segundo estatísticas, há 24,5 milhões de pessoas com necessidades especiais no Brasil. A maioria necessita de cadeira de rodas para se locomover.
Não tenho muitos amigos, pois sou rigorosa na escolha de “para quem conto meus segredos”. Porém, uma das minhas melhores amigas faz parte desse número vasto de pessoas aí de cima: ela é cadeirante.
Todo mundo sabe o que um cadeirante sofre nesse país. E não estou falando apenas de acesso, mas de produtos e serviços e da inclusão mais ampla de toda e qualquer pessoa, independente da sua condição. A principal ideia da acessibilidade, na minha opinião, é justamente quebrar as barreiras.
Bom, a minha amiga sabe fazer isso como ninguém: quebrar barreiras. Ela não fica esperando que o governo faça, que o síndico reformule a escada, que o pessoal do trabalho troque o piso, nada disso.
Sabe por quê?
Porque a minha amiga sabe voar.
Se não tem rampa no restaurante, ela faz os caras subirem a cadeira com um sorriso no rosto. Se o banheiro não está adaptado, ela dá o jeitinho dela. A cadeira de rodas não a carrega, ela carrega a cadeira de rodas.
O “fardo” – palavra associada ao cadeirante, é uma grande mentira. Minha amiga não carrega fardo, carrega um copo de vodca, se possível bem forte, com limão.
Minha amiga ri de quem acha a vida difícil, pois ela é quem deveria achar e não acha. Em meio a dificuldade, ela toma uma altura de 1,80 e tira as pedras do caminho com a roda da cadeira mesmo, jogando pra longe tudo que dita aquilo que ela “não pode” fazer.
Ela faz.
Minha amiga tem uma lista extensa de romances vividos, de histórias engraçadas, de piadas novas e cheias de graça.
Minha amiga é cadeirante sim, precisa de ajuda para fazer algumas coisas, mas ser feliz? Isso ela faz sozinha mesmo, com seus dilemas, suas crises existências, suas gargalhadas impossíveis de serem contidas, sua doçura e integridade – essa última herdada de sua mãe, com certeza.
Minha amiga é uma pessoa grandiosa, por dentro e por fora. E a cadeira que deveria dar fragilidade, dá é gasolina para seus aceleradores simultâneos.
Minha amiga é mais feliz do que muita gente que conheço e que nunca sentou numa carreira de rodas. Minha amiga tem alegria, tem brilho no olho, tem esperança, tem compromisso com as pessoas, com o trabalho, com a vida.
Já faz 15 anos que vi um milagre acontecer bem diante dos meus olhos: Não, minha amiga não levantou da cadeira. Também nem precisaria, pois ela conseguiu o milagre de aprender a voar.
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