Você já parou para imaginar como seria viver sem lembranças tristes, dores ou remorsos? Já imaginou como seria se pudesse apagar da memória todas as frustrações e todos os momentos ruins que fizeram parte do pacote completo que é a vida?
Pois é nessa possibilidade que se baseia o inesquecível “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, longa de 2004, ganhador do Oscar de melhor roteiro original. Jamais me canso desse filme e da mensagem que ele transmite. Na ficção, Joel e Clementine vivem um relacionamento cheio de altos e baixos. Após um término traumático, Clementine decide procurar a empresa Lacuna Inc e se submeter a um procedimento que consiste em apagar todas as memórias indesejadas dos pacientes, principalmente aquelas associadas a relacionamentos amorosos. Depois de identificadas, essas lembranças são apagadas definitivamente, deixando uma lacuna no todo. Quando descobre que Clementine se submeteu ao procedimento, Joel decide fazer o mesmo. Porém, durante o processo, Joel se arrepende, pois percebe que ao apagar os momentos dolorosos perderá também todas as boas lembranças.
Michel Gondry, diretor do longa, constrói uma reflexão profunda, carregada de simbolismo e poesia sobre o fim de um relacionamento amoroso. Somos convidados a rever nossas próprias experiências – boas e ruins – e refletir sobre as consequências do apagamento definitivo de tudo aquilo que fugiu ao nosso combinado, tudo aquilo que de alguma forma nos causou dor, frustração, desapontamento, desilusão.
Porém, mais do que isso, a história de Joel e Clementine nos ajuda a entender que a anulação do sofrimento tem como consequência a aniquilação da experiência de vida como um todo. E que, ao tentar anular definitivamente alguém de nossa lembrança, essa memória pode se tornar ainda mais aguda, e se manifestar de uma maneira não tão boa, como no ressentimento.
Ana Jácomo, escritora que admiro, tem uma frase que diz: “Esquecer, esquecer mesmo, é muito forte”. Concordo com ela. Esquecer é muito forte. Apagar definitivamente alguém de nossas vidas significa anular uma parte de nosso próprio eu. Insistir na aniquilação de nossa própria história é uma revolta inútil, que leva a um sofrimento ainda maior.
Tudo tem seu tempo, e vai chegar o momento em que a lembrança da dor deixará de doer. Será apenas um lembrete de que atravessamos, superamos, nos transformamos. E isso é muito melhor que tentar anular o que foi vivido.
A gente se cobra demais. Cobra a cura do amor e a capacidade de esquecer a pessoa num passe de mágica. Acontece que a gente supera, vira a página, segue o baile, enterra bem fundo aquele amor. Mas esquecer… esquecer é muito forte. Esquecer é apagar uma parte de nós mesmos e de nossa história.
É preciso dar um passo por vez. Não querer a cura instantânea da dor, do desapontamento, da desilusão, mas acreditar que vai passar. Não se revoltar contra o que foi vivido, mas entender que esse caminho precisava ser percorrido. Não se culpar por aquilo que não pôde controlar, mas autorizar-se agradar a si mesmo em primeiro lugar.
Não só o relacionamento de Clementine e Joel era repleto de altos e baixos. A vida também é assim. Intercala momentos de sofrimento e felicidade, encontro e desencontro, segurança e incerteza, conquista e perda, desfecho e recomeço. Negar o sofrimento é deixar de reconhecer a felicidade, e vice versa. Experimentar a vida aceitando a tristeza como parte da alegria nos ajuda a superar a angústia frente à imperfeição da existência e das pessoas, levando-nos a crer que não é preciso esquecer para amadurecer, e que certas revoluções na alma são necessárias pra gente se fortalecer.
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"Quem pensa que a distância faz esquecer, esquece que a saudade faz lembrar" (Michel Telles)