Três crianças e dois livros bíblicos sem ilustrações resumiam o espaço literário da minha casa: um ambiente em que a leitura não foi um hábito, mas que, por alguma razão, nasceu como um prazer em mim. Por isso, a pequena biblioteca da minha escola e a sua porta sempre aberta eram um convite óbvio para o meu instinto. Ali, entre as prateleiras de madeira, aprendi a correr os dedos sobre os nomes dos escritores e os títulos de seus livros, tal como uma aprendiz de piano a dedilhar as teclas.
Naquela sala de piso antigo e geométrico, diante da expressão séria da bibliotecária, espreitavam-me, em aparente silêncio, a doçura de Cecília Meireles, os seres de Monteiro Lobato e os universos mágicos de Hans Christian Andersen, que me guiariam para um caminho sem volta: o do amor pelos livros.
A biblioteca se tornou um aeroporto e, cada livro, o passaporte que me levaria para diferentes lugares. Uma oportunidade irresistível para uma menina criada em uma cidadezinha do interior de Minas, que ainda não conhecia o mar e mal tinha ido ao município vizinho. As páginas daquelas obras eram aeronaves que pousavam em universos habitados por personagens que, mesmo vivendo situações e lugares tão diferentes, às vezes me pareciam tão próximos. Visitei o sítio do Pica Pau Amarelo, mas ainda preferia o da minha avó. Nas férias de julho, fui aos Estados Unidos e conheci Pollyanna e seu Jogo do Contente. Aos 14 anos, viajei no tempo e conheci a Diamantina colonial de Helena Morley. Vivi as aventuras da coleção Vagalume e conheci os três babados do vestido de Laura.
Os livros, lidos e relidos daquele espaço, um dia chegaram ao fim. A biblioteca do bairro ficou pequena para a minha curiosidade e decidi que era hora de ampliar o aeroporto. Na Casa de Cultura, localizada na região central da cidade, meu universo literário se ampliou. Triplicaram as prateleiras e os escritores. Conheci Agatha Christie e seus livros tão cheios de mistérios, me deliciei com as poesias de Carlos Drummond de Andrade, visitei meu coração com Paulo Coelho, me perdi no Mundo de Sofia e corri meus dedos, sem pressa, por aqueles espaços habitados por histórias e personagens tão apaixonantes.
Eu crescia conforme as minhas fichas da biblioteca, orgulhosa da lista de obras que eu havia lido ao encerrar do ano. Naquela época, eu sequer sonhava que me tornaria jornalista e, tampouco, que publicaria meu próprio livro. Era apenas o prazer de ler que, anos depois, se casou com a minha escrita. Inevitavelmente, ler e escrever se tornaram minha profissão, meu lazer e a minha cura.
Hoje adulta, transcorrido os anos entre a primeira biblioteca e a estante que, atualmente, tenho para valorizar os livros preferidos, é preciso dizer que Cecília Meireles permanece comigo. Somos como amigas de infância que não se perderam entre os autores da vida. Trinta anos depois, o olhar dela ainda me espreita entre as obras enfileiradas como quem convida a ler, novamente, “Ou isto ou aquilo”. Basta abrir a publicação e reler, linha a linha, a poesia que me revelou cedo que não se pode ter tudo na vida, mas que se deve sempre escolher o que amamos mais.
Alguns gostam de carpintaria e presenteiam os amigos com móveis, outros amam a costura e, por isso, cirzem vestidos. Há quem cozinhe como quem diz eu te amo, mas eu escrevo como quem distribui afeto e leio como quem agradece ao Universo porque descobri na leitura um jeito simples de viajar e fazer amigos (muito deles invisíveis!).
Foto de Aziz Acharki no Unsplash
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