Hoje visitei uma tia muito querida. Conversa vai, conversa vem, caímos num dos meus assuntos preferidos: “o tempo”. Ela disse que leu em algum lugar que estamos vivendo com duas horas a menos por dia. Diante do meu olhar incrédulo, ela explicou:
− Temos a sensação que o dia tem vinte e duas horas. Fizeram um estudo sobre a falta de tempo que todo mundo fala. Não é conversa fiada, o que a gente sente é real. Está cientificamente provado!
Quero saber como provaram que a falta é de apenas duas horas. Meus dias giram em torno de dezoito horas; não posso provar, mas atesto com fervor. Sim, falta tempo! Para mais um dedo de prosa, mais um café, mais uma história. Falta tempo para terminar de ler o livro que repousa na mesinha de cabeceira, para visitar a família, para descansar. Então, se os entendidos dizem que o tempo nos rouba apenas duas horas, estamos no lucro.
− O tempo está passando cada vez mais rápido! − ela afirmou. Veja bem: eu não estou às vésperas dos 78, e foi ontem mesmo que você nasceu.
Achei graça. Voltei no tempo em que seu colo era meu refúgio. Lembrei que ela viajou para muito longe para cuidar de mim, quando eu nasci. Ela encontrou tempo! Levou a menina adolescente, comprou passagem cara, pediu férias no trabalho. O tempo não apaga as boas lembranças. Não anula os esforços, não extingue os afetos. O tempo intensifica o amor. E o amor não tem tempo, nem idade.
− Tia, você se sente com quantos anos?
− Ah, uns sessenta. No máximo!
Eu me sinto com quase trinta. Percebo, inclusive, um leve orgulho balzaquiano. Uma mulher na flor da idade, com experiência de vida e independente, porém ainda muito próxima da beleza da juventude – assim descrevem a “mulher de trinta”. Seria poético, se não fosse defasado.
Inspirada pelas “duas horas a menos”, imagino um novo estudo. Será que todo mundo se sente assim, em defasagem com relação ao tempo vivido? Acontece com todos este descompasso entre o que sentimos e o que atesta a carteira de identidade?
− Ainda me sinto tão jovem – minha tia completou. Exceto nos dias difíceis. Nestes, eu chego perto dos noventa.
Quando se sente muito cansada, ela acrescenta tempo ao seu pacote de existência. Porém, a porcentagem é menor do que o tempo suprimido quando a sensação é de ser mais jovem do que aponta o calendário. Sim, há dias longos em que a vida pesa e soma tempo. E há dias leves, que nos conferem a juventude da alma.
Estabelecemos, então, o resultado da nossa pesquisa (quando se corre contra o tempo, amostragem de dois é plenamente satisfatória). Para os dias ruins – quando a bateria do carro pifa, a consulta é cancelada, a chuva castiga, o limite do banco estoura, a doença leva um amigo, a tristeza toma conta, o cansaço se acumula – 13% a mais. Para os dias bons – quando o sol desponta logo cedo, a estrada sorri na curva, o menino aprende a caminhar, a mãe sai do hospital, nasce uma criança (ou um novo amor), as milhas garantem a viagem, o resultado do exame elimina a angústia – 29% a menos. Está empiricamente provado!
Encontrei tempo para visitar a tia. Teve café, prosa, histórias de tempos antigos e atuais. Teve abraço apertado, quase o colo de antes. Teve pesquisa nada científica e resultado comprovado: tempo é, simplesmente, sinônimo de vida!
Vida é tempo concedido, com todas as sensações que ela nos traz – inclusive a falta de tempo. E, enquanto estivermos por aqui, driblando o cronograma, estamos no lucro.
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Oi meu bem! Amei seu texto. Também me sinto assim...nos dia bons sou uma adolescente...nos ruins devo ter uns 40. Estou indo de 29 atualmente, mas, sinto como se minha vida estivesse começando ainda. Que lindo esse texto, parabéns!
Parabéns Mônica, me enxerguei em cada linha. Simples, sintético, profundo..inspirador pra não perder tempo! ?