Nunca compreendi muito bem quem trata a própria casa, o próprio lar, como um espaço que se habita sem intenção nenhuma, como lugar que se chega e se joga as sacolas que vieram da rua, se tira os sapatos no meio da sala, torna as estantes depositórios de qualquer coisa. Nunca compreendi quem come pão com queijo todas as noites, feito do mesmo jeito sempre, sem técnica, cuidado ou capricho, e bebe o suco que se compra pronto, e nem presta atenção no gosto e assiste uma série de TV repetidas vezes, afinal não importa muito o que se passa na tela, a intenção é desligar a mente.
Nunca compreendi bem quem anda nas ruas, vê lixos nos acostamentos e não sente vontade de recolher, nunca compreendi quem leva fardos de cerveja na beira da cachoeira e quando vai embora nem lembra de levar as latinhas vazias. Nunca entendi quem inflama o peito falando sobre política, mas se esquece de oferecer água para o jardineiro que trabalha o dia todo no quintal.
Nunca compreendi muito bem quem se acostumou a fazer sexo sempre como um ato mecânico de corpos querendo se aliviar, quem come uma maçã assistindo o futebol e nem percebe os gostos, as texturas. Nunca entendi quem não coloca intenção nos gestos, quem não se incomoda com as energias que estagnam quando a luz já não consegue entrar bem na sala de estar, quando os objetos, os cheiros antigos e os pelos dos animais têm mais presença do que a própria alma. Nunca entendi a falta de cuidado com as coisas, com os lugares, com as pessoas e consigo mesmo.
Seria uma perda de sensibilidade? Seria uma anestesia do olhar? Seria uma apatia para tudo em volta? Seria uma robotização dos sentidos?
Nunca entendi quem consegue trabalhar por anos num lugar, num assunto, sem vontade, sem interesse. Quem passa pano no chão e manteiga no pão sem querer, sem observar os cantos. Quem senta ao lado de outra pessoa em casa e nunca dialoga, quem tranca o cachorro no quintal e depois de dez anos o leva para ser sacrificado no veterinário mais próximo.
Nunca entendi quem não vê a morte se instaurar nas coisas que a gente não olha, não vivencia, não coloca intenção. Quem sai nas ruas procurando vida, entra nos bares, busca consolo em outros colos, mas que na própria casa, no próprio corpo, no próprio universo, não coloca o mínimo de amor e cuidado. Nunca entendi quem não abre as cortinas de manhã, quem esquece de colocar água no canteiro de temperos e prefere ir ao supermercado comprar novas ervas que serão consumidas só pela metade, o resto apodrecerá no fundo da geladeira. Quem compra um peixe colorido como objeto de decoração. Quem adquire lustres nas lojas padronizadas de fábrica. Quem vai pra praia e não quer contato com a areia…
Nunca entendi… quem busca tudo de fora e quando está dentro… não entra!
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