Virou uma modinha (já faz algum tempo), essa história da “zona de conforto”. Saia da zona de conforto! Evite a zona de conforto! É um perigo essa zona de conforto!
Eu, hein!? Discordo veementemente! A tal perigosíssima zona de conforto é apenas um dos elementos, dentre outros inúmeros que compõem a nossa batalha aqui em cima desse chão que, diga-se de passagem, não anda nada fácil de pisar.
A vida é uma batalha diária, um presente novinho em folha que a gente recebe embrulhadinho e precisa é ter muita coragem para desembrulhar. E, mesmo que – muitas vezes -, a gente receba pacotes suspeitíssimos, não temos outra escolha a não ser abri-los, explorá-los, prová-los e vivê-los, TODOS ELES.
Sim, tem pacote que é osso mesmo! Parecem aquelas caixas de amigo secreto que você desembrulha uma, tem outra dentro, e outra, e outra. Até que você chega no tão almejado conteúdo, que às vezes é uma alegria, às vezes é uma coisa tão estranha e desconectada de você que só lhe resta sorrir e agradecer… por falta de palavras mesmo!
E acaba um dia, vem o outro. Outra batalha, outros desafios, outros contentamentos, outros sustos, outros arrepios de puro prazer, mas sempre muita, muita aprendizagem.
E se até na escola que é uma verdadeira fábrica de moer cérebro de criança tem o recreio, porque é na nossa dura vida de gente grande não haveria de ter uma abençoada folga, um momento de paz e quietude, um tempo para o refazimento, UMA MERECIDA ZONA DE CONFORTO!?
Eu dei um duro danado para conquistar a minha zona de conforto… pois deixem-me desfrutá-la em paz!
Durante doze anos seguidos eu trabalhei doze horas por dia, todos os dias. Desses doze anos, durante quatro deles, eu engolia alguma coisa no carro na hora do almoço, indo de um emprego para outro. Chegava em casa, jantava – com meu marido e meus dois filhos -, porque tenho um abençoada companheiro de vida que sempre dividiu as tarefas de casa comigo e fazia o jantar. Ainda ia, feliz da vida, orientar as crianças na tarefa de casa, ajudar a preparar o lanche para o dia seguinte, esperá-los tomar banho, colocar na cama e, só depois ir tomar meu banho e cuidar um cadinho de mim.
Quantos domingos voltei para casa mais cedo dos churrascos, passeios ou almoços de família porque tinha pilhas de provas, atividades ou cadernos para corrigir, mais planejamentos para executar e livros e textos para estudar.
Sou imensamente grata a esse período da minha vida, graças a ele, meus filhos estudaram em ótimas escolas, porque desfrutavam do direito de estudar nas mesmas escolas em que eu trabalhava, o que também nos dava a bênção de ir e voltar juntos.
Foi um período desafiador e muito difícil, mas foi maravilhoso também. Acontece que meus filhos já não são mais crianças há algum tempo. Transformaram-se em dois adultos responsáveis, dignos, éticos, amorosos, estudiosos e queridos. Sofia é Psicóloga e desenvolve um belíssimo trabalho com crianças e jovens autistas. Pedro é Pediatra extremamente dedicado a esse sacerdócio que é a Medicina. Ambos são felizes, tanto do ponto de vista material, quanto com suas vidas pessoais e afetivas.
Em um dado momento do percurso, já com os meninos crescidos, a vida me deu uma baita rasteira. Tive uma crise de depressão e ansiedade que me levou literalmente para o buraco. Perdi o emprego, perdi o chão, perdi tudo – do ponto de vista material, a não ser a minha casa e o meu carro. No entanto, eu tinha à época – e ainda tenho -, o maior tesouro que uma pessoa pode ter: MINHA FAMÍLIA! Tive as mãos fortes e carinhosas de João, Pedro e Sofia para me reerguer.
Troquei a rotina insana do trabalho em escola por minha maior paixão, em termos de trabalho: ajudar crianças e jovens a fazerem as pazes com a escola. Abracei a carreira, tantas vezes adiada, de Psicopedagoga e pus em prática toda a bagagem de estudos ao longo da vida, conquistada por meio de inúmeros cursos de especialização mais um Mestrado em Distúrbios de Leitura e Escrita.
Amo cada dia da minha vida. Sou extremamente grata a cada pessoa que cruzou o meu caminho, tanto os que me deram a mão, quanto aqueles a quem eu dei a mão e, também, àqueles que quiseram me fazer mal. Todos têm um papel intransferível na minha vida.
A tal “zona de conforto” pode ter, sim, essa conotação pejorativa e negativa da acomodação e da falta de ambição ou coragem, mas ela também pode ser a conquista de uma vida equilibrada, com respeito às necessidades pessoais, com a maravilhosa possibilidade de ter tempo para almoçar em casa, para brincar com os gatos, para poder acordar um pouquinho mais tarde, para tomar café da manhã sem olhar no relógio.
Acomodação é uma palavra que não existe no meu vocabulário. Ainda trabalho muitas horas por dia. Nunca parei de estudar. Tenho uma rotina de trabalho e atribuições pessoais bastante puxada. Mas… aprendi que a vida pede pausas, abençoadas, merecidas e bem-vindas pausas!
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