Ser Bombeiro vai além de uma profissão, é uma missão de comprometimento com outra vida, seja ela qual for. Um Bombeiro nunca encerra as suas atividades profissionais em seu plantão, ele sai do quartel após 24 horas de trabalho e vai ao encontro de sua família ciente de que talvez tenha que atuar no percurso.
Quando entramos fardados num transporte público, podemos perceber, claramente, a expressão de alívio nos rostos das pessoas. Percebemos que somos bem-vindos e que a nossa presença transmite segurança e proteção. É como se as pessoas se esquecessem de que dentro daquela farda habita um ser humano frágil como elas, elas nos veem como alguém que fará a diferença se algo ruim acontecer ali.
Esse olhar de respeito e confiança que recebemos das pessoas produz em nós dois sentimentos paralelos: um profundo contentamento e, ao mesmo tempo, uma ansiedade traduzida pelo receio de não correspondermos ao que esperam de nós. Carregamos a sensação de estarmos sendo observados por onde passamos, não que nos sintamos uma celebridade, mas por sermos identificados como os primeiros a serem abordados num caso de perigo iminente. Pouco importa se estamos indo ao hospital com um filho doente, ou se estamos nos dirigindo a um sepultamento de alguém querido. Dentro da farda, emitimos essa força inabalável a quem nos olha, ao que parece.
No geral, perdemos a nossa identidade pessoal e somos lembrados pela nossa identidade profissional. Deixamos de ser a Ivonete, a Paula, o João e o André e passamos a ser referenciados como a Bombeira e o Bombeiro. Somos vistos assim por nossos vizinhos, colegas de faculdade, nos salões de beleza que frequentamos, no comércio local…na escola dos nossos filhos. Nos transformamos, também, em pontos de referências, algo do tipo: o apartamento fica na portaria da Bombeira, meu filho foi brincar na casa do filho do Bombeiro.
O que poucos sabem sobre nós é que acontece de chorarmos por baixo da máscara, enquanto socorremos alguém, dependendo da natureza da ocorrência. Nós sangramos junto com os pais daquele adolescente que veio a óbito numa madrugada chuvosa, num acidente automobilístico. É inevitável pensarmos nos nossos filhos que deixamos em casa.
Acontece de chorarmos em casa, enquanto nos despimos da farda e nos percebemos vulneráveis tanto quanto aquela vida que foi ceifada pela violência. Em contrapartida, no próximo plantão, ao entrarmos novamente na farda, nos enchemos de força e fé. Guardamos as nossas fragilidades e as nossas dores no bolso e seguimos dispostos a dar o nosso melhor em prol de quem precisar do nosso socorro.
Durante as árduas missões, ignoramos o cansaço extremo, o frio, o calor, as dores físicas, a fome…a sede. Tudo isso fica irrelevante diante da dor do outro. Acabamos encontrando força, não se sabe de onde, mas nunca abandonamos uma causa. É rotina para nós, deixarmos o prato de comida no refeitório e corrermos quando toca o alarme.
Quando tomamos posse, na formatura, fazemos um juramento onde nos comprometemos a sacrificar a nossa própria vida em prol de outras vidas. E a família Bombeiro Militar lida constantemente com a dor do luto pela partida dos seus integrantes. Sempre que um Bombeiro morre, nós, os colegas, nos sentimos órfãos e amedrontados. Os Bombeiros são velados de farda, meu filho tem pavor de ir nesses velórios, você pode imaginar o motivo, né?
Por fim, eu só quero agradecer e parabenizar os meus irmãos de farda que atuaram e ainda atuam na tragédia de Brumadinho. Recebam a minha gratidão, o meu respeito, o meu abraço e a minha admiração.
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