Cristiane Mendonça

As brincadeiras eram de rua e os celulares do futuro

As canelinhas magras e acinzentadas corriam pra lá e pra cá. Ora se debruçavam no asfalto para fazer um desenho, ora iam às alturas fugindo da bola arremessada pelas amigas. A rotina daqueles tempos não entediava ninguém: chegavam da escola, almoçavam, e as mais preguiçosas, ainda de uniforme escolar, assistiam um pouco de TV! Lá pelas 15h desciam a caminho da rua sem saída. Ali naquele pedaço de chão, amarravam uma corda e simulavam um time de vôlei, riscavam no asfalto o jogo da velha com um pedaço de argila, competiam para saber quem conseguiria fazer mais embaixadinhas, disputavam queimada, jogavam Bete, andavam de bicicleta, se arriscavam nos patins, sentavam-se no paralelepípedo para bater um papo sobre a escola, os pais e os primeiros amores.

_Vamos brincar de quê?
Uma fazia a pergunta, outras respondiam, e sem delongas, chegavam a uma resposta.
_ E se a gente fosse à sorveteria disputar quem toma mais bola de sorvete?
E lá iam, empoleiradas na pequena Caloi Cecizinha da prima, se empantufarem na sorveteria.

Nas brincadeiras de rua, aprendíamos a viver! A ganhar e a perder, a quebrar o braço e pedir aos colegas para autografar o gesso depois, a fazer concessões, a reclamar e fazer as pazes. Os chinelos eram partes pouco importantes, visto que agora damos tanto valor aos nossos sapatos! Descalças, com os pés encardidos, voltávamos para casa, sujas e suadas. Exaustas! Gastávamos nossa energia vivendo o mundo lá fora: real e ainda primário.

Naquela escola da vida, os desafios infantis eram ingênuas representações do futuro. Nos perdoávamos com sorrisos, nos aceitávamos nas brincadeiras, disputávamos o quem perde, ganha, sem prejuízo moral. O sol queimava nossa pele, sem protetor solar, e a enxurrada lavava nossos pés. Fomos a última geração de crianças sem internet, desprovidas de smartphones, tínhamos cadernos de enquetes para saber as preferências dos amigos, sentávamos na porta de casa sem selfies para registrar. Colecionamos papeis de carta, escrevíamos bilhetinhos à mão para os amigos rasgando a última página do caderno e transcrevíamos a nossa música preferida apertando o botão Pause do toca-fitas.

Isso fez de nós uma geração privilegiada? A última que viveu a infância sem internet? Não há sim ou não como resposta. O que faz a infância ser uma página feliz em nossas vidas se relaciona às conexões humanas que estabelecemos, a segurança que sentimos no ambiente que chamamos de lar, ter acesso àquilo que nos permita dignidade! Oportunidades que estão além da tela de um celular. Mas, verdade seja dita, olho no olho ainda é bem melhor que câmera de 13 mega pixels!

***

Imagem de capa: Pixabay

Cristiane Mendonça

Cris Mendonça é uma jornalista mineira que escreve há 14 anos na internet. Seus textos falam sobre afeto, comportamento e Literatura de uma forma gostosa, como quem ganha abraço de vó! Cris é também autora do livro de crônicas "Mineiros não dizem eu te amo".

Share
Published by
Cristiane Mendonça

Recent Posts

Esse filme de romance da Netflix é a dose leve e reconfortante que seu fim de ano precisa

Se você é fã de histórias apaixonantes e da fórmula que consagrou Nicholas Sparks como…

2 dias ago

Na Netflix: Romance mais comentado de 2024 conquista corações com delicadeza e originalidade

Se você está à procura de um filme que mistura sensibilidade, poesia e uma boa…

4 dias ago

Pessoas que foram mimadas na infância: as 7 características mais comuns na vida adulta

Uma infância marcada por mimos excessivos pode deixar marcas duradouras na personalidade de um adulto.…

6 dias ago

“Gênios”: Saiba quais são as 4 manias que revelam as pessoas com altas habilidades

Alguns hábitos podem parecer apenas peculiaridades do cotidiano, mas segundo estudos psicológicos e pesquisas científicas…

6 dias ago

As 3 idades em que o envelhecimento do cérebro se acelera, segundo a ciência

O envelhecimento é um processo inevitável, mas não linear. Recentemente, cientistas do Primeiro Hospital Afiliado…

1 semana ago

Desapegue: 10 coisas para retirar da sua casa antes de 31 de dezembro

Fim de ano é sinônimo de renovacão. Enquanto muitos fazem balanços pessoais, é também um…

1 semana ago