O caminho da escola é repleto de animadas divagações. Através do nosso portal secreto, também conhecido por espelho retrovisor, enxergo a faceirice com que ele pergunta, comenta e emite opinião. Sim! Tem apenas quatro anos e bastante opinião própria. Lança comentários profundos e faz pedidos simples. Quer seguir o trem, passar em frente ao castelo do vento e ver os peixes na loja da esquina. Ele escolhe a trilha sonora e eu escolho cantar junto. Cantamos a aquarela da vida no caminho entre uma indagação e outra.
Assim como quem quer saber o que tem para o jantar ele solta a “pergunta que não quer calar”. Olho pelo espelho na esperança que venha logo outra questão, mas ele insiste. A dúvida não tem nada a ver com a fabricação dos bebês, mas pega a madrinha de surpresa. Ele quer saber o que é o tempo.
− O tempo? O tempo é uma coisa que passa.
“O tempo” é coisa complexa demais, meu menino. Gostaria de encontrar uma forma simples de te explicar que o tempo passa, que está passando neste exato momento, enquanto passamos pelo teu castelo. O tempo passa, corre, voa.
Eu sempre achei que teria tempo. Tempo para tudo, tempo de sobra, ainda algum tempo. Enquanto dediquei meu tempo para tudo que considerei válido e necessário, ele subitamente passou por mim. O tempo passou e guardou minha infância ao lado do porta-retrato dourado da sala de visitas. O tempo passou e gravou minha juventude a nanquim na prancheta em desuso. O tempo passou e alçou alguns dos meus sonhos à categoria do impossível, ou, no mínimo, do improvável.
Ainda assim, não devo ser injusta com a inevitável sequência da vida. Para algumas coisas o tempo é, mesmo, o melhor remédio. Dizem que ele cura, salva, redime. Eu acredito nisso. Seguindo a máxima do “tempo ao tempo” a gente supera muita coisa − outras a gente entende e algumas simplesmente aceita.
A soma dos anos marca o rosto, desgasta o corpo e convida a dormir mais cedo, mas também pode ser generosa. No balanço positivo da passagem das estações encontra-se a maturidade, e com ela um pacote de realizações que só o tempo é capaz de prover. Um cantinho no mundo para chamar de seu, a memória de uma viagem extraordinária, a possibilidade de zelar por quem se ama. O passar do tempo é, também, um convite à realização.
O tempo realiza, concretiza, permite − os amores, as amizades, as conquistas. Sábio, o tempo ameniza as dores. O tempo cria e recria, toda hora, o tempo todo. Com o tempo o mundo gira, cada mundo no seu tempo. Cada ser humano é um mundo próprio que gira num tempo particular.
Gira mundo, passatempo, roda viva. Chegamos! Teus olhos curiosos ainda esperam melhor justificativa para esta coisa do tempo. Enquanto você me joga um beijo e repete que me ama eu percebo com clareza que nada é perda de tempo. Ao teu lado, Theo, o tempo que passa é tempo ganho, jamais tempo perdido. Vou tentar te explicar melhor na volta pra casa: o tempo é uma coisa que passa, mas que também para, quando temos tempo para amar.
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