Antônia no Divã

Olho do furacão: a morada do amor

Eu nunca escondi que sempre fui uma solteira faceira. Talvez porque a vida toda eu tenha um espírito dedicado a aproveitar o melhor de todas as fases. Ou talvez não. Talvez eu fosse uma solteira faceira porque tivesse completa certeza que ser e estar “um”, é em suma, mais prático e imensamente mais fácil que ser e estar a dois.

Configurar um casal, e estar envolvido romanticamente com outra pessoa é muito lindo, eu concordo. Mas é também escolher morar no olho do furacão. Furacões, veja bem, são fenômenos naturais, que surgem do encontro de duas massas de ar completamente diferentes. E por mais espetacular que o furacão seja aos olhos de quem tá de fora, quem tá dentro sabe o quanto ele arrasa a nossa paz.

Acredito que a maior dificuldade reina no fato de duas massas de ar completamente diferentes, decidirem conviver embaixo do mesmo teto. Deve ter alguma porta do inferno que se abre toda vez que duas escovas de dente são colocadas uma ao lado da outra. Só pode. O relacionamento que antes era tranquilo feito de leves brisas, tende a funcionar numa dinâmica completamente avessa quando o aluguel é um só (sendo o aluguel o menor dos problemas).

Digo isso pontuando que, o mozão aqui de casa, é de longe um dos bons rapazes. E isso, veja bem, não tem nada a ver comigo. Ele já veio com o kit “junto minhas cuecas e sei fazer feijão” de fábrica. Já morou sozinho, tem longos relacionamentos no currículo. Então tenho comigo que eu peguei a versão mais refinada das minhas antecessoras (e vocês aí, falando mal das ex – beijo, meninas!). Ainda assim e por melhor que ele seja, tem muitos momentos que me pego pensando em arrastar aquela carinha linda dele no asfalto. E sei que a minha corre o mesmo risco (figurativo, e nunca literal!).

Acredito que o casal, por mais sangue-doce que seja, deve estabelecer um mínimo de regras do convívio humanizado do amor. Aqui em casa as tarefas são divididas, na grande maioria das vezes. O que dá espaço para as exceções. Como tudo que a gente faz tem carga equilibrada, dificilmente temos problemas em conceder favores. Hoje eu fiz almoço, e contrariando a regra da casa, também lavei a louça. O gato estava atrasado, pseudo-ressaquento do jogo de ontem, e não tem nada que eu me compadeça mais do que uma ressaca, então não tive problemas em me prontificar com a parte dele. Ele também não pensa duas vezes em assumir o supermercado toda a vez que a tarefa era minha, mas a pauta do meu dia me engoliu. Que maduros, né? Pense de novo.

Há dias em que nem tudo funciona tão bem. Já tivemos brigas homéricas sobre se a cebola vai antes da carne moída na frigideira. Ho-mé-ri-cas. Com gritos e acusações. Ele tem um talento exímio para “deixar a forma/panela/utilitário de molho”, que só é encontrado na minha vez de lavar a louça. Eu nunca junto meus cabelos do ralo. Eu já quis dormir no quarto de hospedes por causa de uma briga que envolvia a posição do forninho na cozinha. E que toda vez que a gente briga eu penso como seria fácil uma casa só minha, com as minhas regras, e minha escova de dente (e meus muitos cabelos) no banheiro. Poderia ser muito mais fácil.

Mas toda vez que eu fico birrenta o cara que mora comigo me explica que a gente deve dormir juntos, mesmo contrariados, para não deixar a distância tomar conta. E todo dia que ele chega do trabalho lá estou eu cantando o sertanejo mais brega e gritando que o homem mais lindo do mundo adentrou a nossa casa. Ele me aguenta questionando as regras, como a rebelde que eu sou. Eu finjo interesse toda vez que ele fala do time dele. E talvez sejam nessas horas que o vento acalma, e a gente se dê conta que vale pena viver no olho do furacão.

Uma amiga certa vez perguntou se eu namoraria/moraria comigo mesma, e lembro que a minha resposta foi “Deus me livre”. Que alegria poder saber que tem alguém que discorda comigo nisso.

Porque todo dia eu acordo com cheiro de café, som de violão e beijos nos dedinhos dos pés (daquelas cenas de comédia românticas terrivelmente adocicadas). Ele é diurno, e eu nunca vou entender isso, mas eu acordo mais feliz desde que dividimos o quarto, por mais que ele sempre roube as cobertas. Toda noite ele dorme no meu peito, enquanto eu me divido entre o Netflix e o cafuné nele, porque afinal, eu sou noturna e levo 5h a mais que ele para dormir. E ele suspira quando dorme, por mais que luz do meu celular o incomode. Eu nunca vou entender como esse furacão deu certo porque, de novo, são duas massas de ar diferentes. E amar, cara, amar às vezes é muito difícil, porque tem que haver respeito pela natureza do outro e entender a sorte deste encontro.

Sábado a gente se muda de casa. Em setembro eu embarco pra uma viagem de dois meses sem ele. E talvez ano que vem, a gente mude de continente. A minha única preocupação é que nosso furacão permaneça embaixo do mesmo teto, por mais que a gente seja diferente. Porque eu já decidi que fácil ou difícil, eu só quero mesmo é poder morar na gente.

Fim da sessão.

Antônia no Divã

Uma questionadora fervorosa das regras da vida. Viajante viciada em processo de recuperação. Entusiasta da escrita. Uma garota no divã figurado e literal. Autora do blog antonianodiva.com.br.

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