Roer unhas – as dos pés, inclusive. Chegar sempre atrasado. Não atender o telefone. Dar atenção a redes sociais enquanto está conversando com alguém. Falar gritando. Tirar o resto de comida dos dentes com a língua ou palito de petisco (que apelidamos erroneamente de palito de dente).
Não gostar de escovar os dentes. Espalhar roupa pelo meio da casa. Fazer cocô com a porta do banheiro aberta. Andar meio torto. Ter uma risada espalhafatosa. Ter tiques. Falar mal da vida alheia. Ser malicioso em excesso. Beber até ficar inconveniente. Falar de boca cheia. Ser inseguro. Ser desengonçado. Ser tímido em excesso.
Escutar só aquilo que quer. Dividir as pessoas e tratá-las conforme seus salários. Destratar quem discorda dos seus pontos de vista. Ser grosseiro sem motivos. Ter um gestual estranho ou exagerado. Ter o hábito de manipular os outros. Contrariar recomendações médicas. Uma coceira insistente. Ser glutão. Ser anoréxico. Falar pelos cotovelos. Sentar-se ou deitar-se espalhafatoso. Vestir calça rosa chiclete ou verde limão.
Gostar de misturar doce com salgado. Enfiar o dedo no bolo. Adorar comer comida gordurosa. Agir com rudeza e não arrepender-se depois. Ser reclamão. Ser folgado. Ser vulgar. Ser sentimental. Ser carente. Ser impaciente com aqueles que mais ama e cordial com desconhecidos. Não ser lá muito fã de banho. Ser desajeitado. Ser desatencioso. Ser preguiçoso.
Ser surdo ou cego seletivo, aquele que só escuta ou enxerga o que quer. Ser usurário e economizar acima de tudo. Ser perdulário e não estar nem aí para dinheiro. Viver no drama. Evidenciar defeitos em todas as pessoas. Ser pessimista. Ser antissocial. Ser carinhoso na amizade e frio no namoro. Ser desleixado. Ser distraído. Não gostar de ouvir as pessoas. Ser impaciente.
Ter preguiça de ler. Ler um parágrafo ou uma lauda e fingir a erudição de um estudioso nato. Ser intelectual soberbo. Ser bobinho. Ser inocente. Ser dado a espertezas e cambalachos. Só tocar o outro quando quer transar. Gostar de ditaduras. Xingar desequilibrado em caixas de comentários virtuais.
Assistir a programas sensacionalistas. Ter maus olhos para boas pessoas. Ser desconfiado demais. Ser religioso extremista. Nunca agradecer. Tratar as pessoas como empregadas. Usar o banheiro por no mínimo uma hora. Ser racista. Ser machista. Ser hipócrita. Ter muitos pelos ou não tê-los. Não usar saia. Não usar maquiagem. Não gostar de pessoas gordas. Não gostar de pessoas magras.
Ser ansioso. Ser agitado demais. Ser calmo demais. Ser arrogante. Ser inconstante. Ser analfabeto político. Fazer discurso de ódio. Ser indiscreto. Fazer joguinhos de conquista. Ser imaturo. Fazer chantagem emocional. Maltratar animais. Ter medo exagerado de insetos. Ser mau humorado. Ser namastê. Não ser namastê. Acreditar em zodíaco. Não acreditar em zodíaco. Ser pisciano com ascendente em peixes, ou seja, o sofredor dos sofredores no zodíaco…
Brincadeiras à parte, os parágrafos acima prosseguiriam fácil. O fato é que a gente vem ao mundo repleto de características e manias pessoais. Costumamos chamá-las de qualidades e defeitos, mas na verdade são características. Elas podem ser boas ou não para nós. E aí está o nó. Será que já paramos para pensar que não encontraremos ninguém livre dessas características que para muitos não são agradáveis? Bem, caros leitores, tenho novidades: Somos humanos! E mesmo o super-homem teve seus dias ruins no faz de conta.
Isso vai contra as paixões, os contos de fada que idealizamos, os sonhos eróticos, os amores perfeitos de Hollywood e os comerciais de margarina, mas é inevitável o dia de nossa caminhada em que percebemos uma singularidade, a de que todo mundo tem hábitos e características ruins. Há defeitos, singularidades e pontos a melhorar em todos. O erro é uma obrigação humana, não há quem passe pela vida impune. Tão óbvio, não? Pois então, parece que esquecemos.
Muitos em pleno século XXI estão bem prejudicados pela crença nas histórias românticas que leram e até esses dias aguardam príncipes e princesas aparecerem do nada – de preferência casteleiros com figurinos medievais. Se puderem vir montados em um robusto cavalo branco, melhor. O mito do amor romântico é um grande destruidor de muitas vidas amorosas atualmente. Grandes expectativas que existem nos relacionamentos são inconscientes e arruínam experiências humanas, gerando sofrimentos desnecessários. Será que já descobrimos que os romances, os contos de fada que lemos ou os filmes que assistimos são na verdade ficções levadas a sério por nós, parcos que somos? Então queremos ser Romeu e Julieta, abandonar a família e a própria terra em nome do amor? Ou quem sabe Jack e Rose em pleno Titanic, capazes de dar a própria vida um pelo outro e imergir no frio Atlântico? Esperamos dias doces, rotinas sem sobressaltos, pessoas mansas e ao mesmo tempo fortes, que protagonizem conosco as maiores aventuras, com opiniões inteligentes sobre os temas mais essenciais. Se o tesão e o sexo forem diuturnos, melhor ainda. Isso definitivamente não é real. Nada poderia ser mais sonhador e alienador do que tamanha projeção. O real é encontrar pessoas com boa parte das características acima, um verdadeiro combo indigesto – ou não.
Segundo o psicoterapeuta brasileiro Flávio Gikovate, quase todos os casamentos entre opostos se dá entre um predominantemente generoso e outro predominantemente egoísta, e isso constitui a diferença fulcral, sendo as demais distâncias menos relevantes. Acima de julgar se características são boas ou não, é bom saber aquilo que é tolerável ou não para nós, ou seja, enxergar se é essencial pensar e agir sobre qualquer incômodo que o outro possa nos provocar. Esquecer o que não constitui muita importância, aceitar os costumes suportáveis do parceiro e tentar exercer o dom da paciência. Como disse certa feita um colega de trabalho, “ Todo mundo dá trabalho”. Sim, todos nós damos trabalho. Uns menos, outros mais. E para não cair no perigo do relativismo levado ao extremo, o próprio Gikovate também pontuou que a ideia de que tudo seja relativo e de que exista um lado bom mesmo nas piores pessoas é um discurso muito adequado para os mais oportunistas. O que vale é a conduta prioritária, aquilo que na maior parte do tempo as pessoas têm como comportamento. Então o que há de predominante nas pessoas que gostamos? O que prevalece no dia a dia é a preocupação com os que estão ao redor ou a busca por sempre satisfazer os desejos pessoais, por exemplo? Observar se a grosseria gratuita foi rebordosa pontual de um dia difícil, ou se é um comportamento recorrente e certamente impossibilitará a boa parceria. São muitas as possibilidades.
É fundamental saber que cada um é único, estranho ou mesmo esquisito, e lidar com essas características se quiser a relação, entretanto isso não quer dizer que devemos aceitar como o outro é em relação a tudo. Descobrir o que em inglês chamamos de “deal breakers”, os quebradores de acordo, ou seja, aquelas coisinhas que não conseguiríamos realmente tolerar de jeito algum. Seja machismo, não falar “obrigado” e “por favor”, não ter companheirismo ou ser um fanático político. Lógico que o relacionamento é repleto daqueles momentos em que a gente tem que fechar os olhos, suspirar e deixar rolar ( e como! ), mas ninguém espera que desgastemo-nos ou sejamos um buda o tempo todo. Ninguém vale tamanha violência. Bom é deixar o outro ciente dos nossos limites e o que recusamo-nos aceitar. Ah! Também é preciso descobrir quais são os limites do outro. Se não for via de mão dupla não dá.
E quanto à resposta da questão que constitui o título “ Ninguém é de um jeito só, então o que é aceitável no outro?” , só você pode responder. E siga o baile interior!
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