Busque um lugar tranquilo e sente-se em uma posição confortável. Reserve esse momento para você, para conhecer o seu lado obscuro. Esqueça todos os ruídos em volta, as tarefas pendentes e os “e se…”. Deixe que essa voz que tanto se queixa que vem do fundo da sua mente, muitas vezes bastante impertinente, vá embora pouco a pouco.
Vá ao encontro do silêncio, esse companheiro que tem uma má fama para quem ainda não sabe apreciá-lo, mas tão querido e gratificante para aqueles que são capazes de entender a sua essência. Escute-o.
Talvez você pense que é impossível captar algo de um interlocutor marcado pelo silêncio, mas tente mais uma vez. Frequentemente ele é o caminho, a ponte que nos leva até o contato com nós mesmos. Nesse caso, até o contato com o nosso interior. Não tenha medo. E, claro, não fuja.
Não há nada de errado em se olhar no espelho, tocar a própria pele e observar essas feridas das quais tantas vezes fazemos questão de desviar o olhar. Não desvie dessa vez, nem feche os olhos para fingir que não está acontecendo nada quando na verdade há algo latejando de dor. Abrace seus monstros, abrace o seu lado obscuro. Conecte-se com as profundezas de si mesmo.
O lado obscuro e as nossas feridas
Olhe na cara do sofrimento. Não é uma experiência muito agradável, com certeza, mas não é para ser. Os fantasmas que transitam por suas lembranças podem se tornar enormes e muito intimidantes. Algumas vezes podem até mesmo ser bastante autoritários.
Eles sabem com perfeição quais são os seus lugares mas frágeis, aqueles que são mais instáveis. Eles sabem quais são as rotas mais sombrias que já criaram raízes e se estendem nas profundezas da sua pele.
Esses fantasmas são as marcas do seu passado, as âncoras que te escravizam por causa da dor do que já foi vivido. E eles se alimentam, aparecem de vez em quando para se alimentar por meio de recordações, para lembrá-lo de que eles ainda estão ali, de que isso ainda não está superado.
Inclusive, se você não tentar impedir, eles se tornarão enormes monstros que serão cada vez mais assustadores. O medo da rejeição, o medo de se sentir só, o medo de ser um fracasso… São disfarces distintos, máscaras diferentes, para cobrar essa falsa crença na qual você muitas vezes não consegue deixar de acreditar: a de que é incapaz de ser feliz.
As feridas também têm um lado obscuro no qual só conseguimos ver a tristeza, onde tudo é cinza, onde a dor se entranha nos ossos e a só vemos decadência e desesperança. Uma zona perigosa na qual podemos acabar presos, e que tem como meta fazer a sua vida girar ao redor do sofrimento. Uma sutil teia de aranha que pouco a pouco nos aprisiona.
As feridas também têm um lado obscuro, que tem como meta fazer a sua vida girar ao redor do sofrimento.
Não é fácil se libertar das garras do passado, sobretudo se elas já criaram raízes muito profundas em nossa pele, deixando-nos na mão da desilusão. A dor tem mil e uma maneira de se expressar, e mesmo que você pense que já está livre da sua condenação, pode ser que sem mais nem menos aconteça algo e você perceba que não… ela ainda está lá. Principalmente se você tenta ao máximo evitá-la.
Inclusive, o corpo também pode ser um meio pelo qual a tristeza se expressa. David Alexander, professor e diretor do Centro de Investigação de Traumas em Aberdeen, afirma que “As pessoas que sofreram danos emocionais frequentemente traduzem essa dor em sintomas físicos”.
Por essa razão, é muito importante não descuidar do nosso lado obscuro, das nossas feridas e da sua influência no nosso mundo. O nosso lado obscuro pode ser tão astuto e perspicaz que muitas vezes muda a nossa própria visão da realidade. Desse modo, ficamos presos em uma espiral de sofrimento que parece infinita aos nossos olhos.
“Não há cicatriz, por mais brutal que seja, que não tenha uma certa beleza. Uma história pontual fica guardada nela, alguma dor. Mas também fica seu fim. As cicatrizes são, então, as costuras da nossa memória, um remendo imperfeito que nos torna inteiros de novo, nos cura. A forma que o tempo encontra para que nunca nos esqueçamos das feridas”.
-Marwan-
A luz que nasce do seu lado obscuro
Assim como seu lado obscuro pode despedaçar sua existência, ele também contém o impulso necessário para te fazer crescer. Que contraditório, não é mesmo? Mas é assim que funciona. Paradoxal. O oceano de sofrimento é imenso, mas não esqueça que se você procurar, sempre haverá terra firme. A chave está no equilíbrio.
Trata-se de ir além da experiência dolorosa, uma vez que ela for identificada e compreendida. Apesar de seu coração estar cheio de dor, você pode procurar entender o que está acontecendo ao seu redor. A realidade não é só sofrimento, ainda que muitas vezes possa parecer e só consigamos enxergá-la assim. Agora, se você só se fixa nos seus espinhos, se você não consegue olhar para mais do que suas feridas, sua mente acreditará que é só isso que existe.
O sofrimento está aí. O importante é que você pode decidir se afogar ou pode decidir amadurecer e crescer através do vai e vem das ondas desse oceano. Como? Abraçando o seu lado obscuro, abraçando todos os seus monstros e demônios.
O psiquiatra suíço Carl Jung denominava esse lado obscuro da nossa personalidade de arquétipo da sombra. O porão no qual se escondem todos os nossos instintos que mais foram reprimidos, os egoísmos que com mais força tentamos ignorar e os desejos mais descontrolados.
Se desejamos ver a luz, temos primeiros que mergulhar nas nossas profundezas mais escuras.
Todos sofremos em algum momento da vida. O importante é ser capaz de reconhecer, aceitar e sentir, com bondade e sem violência. Não seja tão duro consigo mesmo. E uma vez feito isso, observe como você é capaz de se regenerar a partir das suas verdadeiras essências e sua verdadeira natureza.
Que pensamentos você alimenta? Que atos te empoderam? Que sentimentos te fazem vibrar por dentro? Frequentemente colocamos gasolina no fogo de nossas palavras, ações e pensamentos se nem nos darmos conta…
O passo seguinte no caminho da libertação é deixar de criar sofrimento, evitando fazer o que você identificar que causa tristeza para si. Esse passo requer paciência, muito esforço, e claro, alguma prática, pois é um aprendizado constante e de longo prazo. Em seu interior você tem mil e uma formas de se fazer mal, quase todas relacionadas a pensamentos e comportamentos automáticos que não geram nada de bom para você.
A chave está em detectar isso e compreender que nada é permanente e que, além disso, você tem a capacidade de transformar a sua vida. Você não é uma marionete de uma mente incontrolável.
Está bastante claro que aprofundar o conhecimento em si mesmo não é um processo simples. Temos que passar por muros muito altos, romper muitas camadas resistentes, mas esse é o caminho para fazer com que a luz ilumine o nosso dia a dia, esse é o caminho em direção ao bem-estar. A transformação não será, obviamente, repentina, será algo gradual.
Transcender o seu lado obscuro requer tempo, mas só assim você poderá colocar fim no seu sofrimento e fazer as pazes com ele. Frequentemente os monstros que nos governam não são mais do que nossos medos pedindo uma ajuda de forma desesperada…
“Uma pessoa não se ilumina imaginando figuras de luz, e sim trazendo consciência para sua escuridão”.
– Carl Jung-
Fonte indicada: A Mente é Maravilhosa
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