Me permiti enferrujar enquanto me esquecia nas esquinas da vida, então perdoe minha lentidão de raciocínio, meu olhar deslocado e minha bebida já quente. É que há muito eu parei de beber; abandonei este hábito em outras vidas, mas mantenho o copo nas mãos, permitindo o nervosismo e a timidez entrarem dentro dele.
Te contei, não? Me é necessário manter as mãos ocupadas para que a cabeça não pense demais, para que eu não fique inquieta, pois a agitação cria uma vermelhidão constrangedora em minhas bochechas e então eu finjo beber, apenas para ter algo nas mãos e isso me remete à uma frase de Caio F., que não quero citar agora, pois assim levaria chuva aos meus olhos e não é hora de chover ainda.
Sim, tem chovido sempre por aqui, todo final de tarde, quando o silêncio me assola numa casa pequena que se tornou demasiadamente grande. Não sei como cabe tanto espaço para pensar e sempre sobra uma brecha para mais uma lembrança. Então eu bebo, ocupando as mãos e saboreando bolhas que estouram, estrelando todo meu céu da boca.
E me esqueço.
Sim, tem ocorrido com frequência. Na maioria das vezes eu me obrigo a me esquecer e esquecer da vida e de tudo que tem dentro dela, e corro para uma direção qualquer sem ver. E de novo frases clichês, dizendo que quanto mais eu fujo, mais encontro e tem sido em vão tentar fugir de mim mesma, dessa gritaria que me dá dor de cabeça e dos remédios que me acalmam em sonos tranquilos.
Acordo de noite, de novo, com uma vontade tremenda de ter algo nas mãos e procuro um cigarro para tornar poético uma madrugada quieta numa cidade grande. Não, eu não fumo. Levanto e ando descalço pelo chão frio e vou até a sacada e vejo a lua já no alto e suspiro e choro em silêncio. De madrugada também tem chovido e a chuva da noite é mais bonita que a chuva do fim de tarde, pois de noite ela é quieta como a cidade dormida, vem tranquila feito o orvalho em folhas e não dói tanto. Minhas mãos formigam e eu levanto e pego um copo d’água cheinho de gelo, mesmo fazendo frio cá fora, cá dentro, porque eu não sei beber água sem ter o copo suando frio nas mãos.
É mania irritante essa minha, mas é bom, porque depois que a água acaba eu fico brincando com o gelo, adormecendo a minha língua e esfriando tudo que arde e queima e dá saudade. E vejo a cidade amanhecer nas beiradas, naquele tom de amarelo-cor-de-rosa, um azul que amanhece tornando-se límpido e trazendo tudo aquilo que me atormentava de volta, fazendo-me correr para escuridão do meu quarto, transformando noite minhas pálpebras molhadas. Me esqueço debaixo das cobertas pela hora seguinte.
Então o despertador toca e eu lamento e me arrasto, enquanto repito todos os dias a mesma rotina de escovação de dentes, sacolejar de ônibus e chuvas engolidas. E, quer saber? Não aguento mais falar em chover e já citei isso umas três ou quatro vezes neste.
Mais? Pois é, isso tem acontecido com frequência também.
De fazer, de falar e de esquecer segundos depois; e é isso que dá tentar levar e deixar de viver e não ver acontecer e nem fazer tanto. E as mãos voltam a formigar e volto a precisar de algo precioso nas minhas mãos e não me levo a lugar nenhum, porque não observo um fim plausível para as minhas frases intermináveis.
As palavras se atropelam na tentativa de querer fugir e permito, para que possa, enfim, aquietar tudo que tem passado aqui dentro e deixar que amanheça sempre dia claro e que pare de fazer tempestade em meu rosto e volte o sorriso leve que perdi, também, em esquinas da vida.
Mas por favor, te peço, não tire a taça das minhas mãos.
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