No momento em que escrevo esse texto estou relendo um dos livros mais intensos da mega escritora Clarice Lispector chamado “Um sopro de vida”, livro que ela escreveu já bem próximo da sua morte.
Num determinado trecho ela fala um pouco sobre o sentimento de SOLIDÃO relacionando com a perturbação do SILÊNCIO, algo vivenciado por quase todas as pessoas. Farei uma breve reflexão a partir das suas palavras. Confira!
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“Quando estou só demais, uso guizos ao redor dos tornozelos e dos pulsos. Então quase cada um de meus pensamentos se externam e voltam para mim como respostas. Minha mais tênue energia faz com que eles logo vibrem estremecendo em luz e som. Eu tenho que ser minha amiga, senão não aguento a solidão. Quando estou sozinha procuro não pensar porque tenho medo de, de repente, pensar uma coisa nova demais para mim mesma. Falar alto sozinha e para “o quê” é dirigir-se ao mundo, é criar uma voz potente que consegue — consegue o quê? A resposta: consegue o “o quê”. “O quê” é o sagrado sacro do universo.”
Clarice Lispector
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É interessante pensarmos a respeito do sentimento de solidão, que ao contrário do que muitos pensam, pode ser lidado com elegância. Achei genial ela falar sobre guizos colocados ao redor dos tornozelos e pulsos.
Provavelmente, o que mais faz com que a maioria das pessoas detestem ficar sozinhas é o SILÊNCIO, então a personagem da Clarice chamada Ângela faz questão de impor a si mesma um barulho externo, para que o seu barulho interno, que é infinitamente mais perturbador, não a tire do eixo de vez.
Lendo esse trecho do livro, até me veio em mente uma frase de uma das minhas músicas preferidas da banda Engenheiros do Hawaii chamada “Simples de coração”.
Na frase é dito: “Casa vazia, luzes acesas, só pra dar a impressão, cores e vozes, conversa animada, é só a televisão…”.
Essa música foi composta pelo Humberto Gessinger num período difícil da sua vida no qual ele estava brigado com a esposa e se separaram temporariamente. Inclusive eu sempre comento com os amigos que, na minha opinião, nesse período de dor, também foi o seu período mais frutífero em criar lindas músicas! Creio que os fãs da banda vão concordar comigo nessa hora! Deixo o link pra que você aprecie essa maravilha…
Não é fácil lidar com a solidão, porque ela pode ser vivenciada de “n” maneiras diferentes. Se fosse esmiuçar esse assunto precisaria escrever um livro a respeito. Tem a solidão na família, a solidão em relação ao ambiente de trabalho, tem até a famosa “solidão à dois”, que é aquela vivida pelos casais que vivem juntos, mas como que em universos paralelos.
No entanto, até já escrevi em textos anteriores. Na minha concepção, esse sentimento está profundamente ligado à desconexão de si mesmo. Sendo bem direto, o que gera o sentimento de solidão é a falta de autoconhecimento. Provavelmente você já leu ou escutou alguém falando o termo EU MAIOR, ou EU VERDADEIRO ou mesmo SELF não é mesmo? São apenas denominações diferentes para a mesma coisa, e que coisa é essa?…
Quero fazer um pouco de suspense agora…
Essa coisa é o que a Clarice chama de O QUÊ!
O QUÊ é o sagrado sacro do universo. Talvez sem se dar conta, a Clarice escreveu esse trecho do livro como uma mística. Há uma profundidade avassaladora nessas poucas palavras!
Dentro de nós existe uma semente do divino, do transcendente, e quero deixar bem claro nesse texto que essa porção divina que existe em nós independente da crença em Deus ou da participação em alguma doutrina religiosa.
Mesmo os que se dizem ateus têm essas mesmas inquietações que eu, você ou a Clarice. Os ateus dizem não acreditar em Deus, mas ao entrarem em contato consigo mesmos através do autoconhecimento estão acessando essa semente divina.
Tanto faz chamar Deus, ou Eu maior ou Self… Em essência, estamos falando dessa esfera transcendental que nosso mero intelecto não alcança. E sinceramente! Eu acho lindo que não alcance, porque é aí que se encontra a beleza. É aí que se encontra a genialidade da Clarice Lispector, por exemplo!
Só a título de informação! Esse livro inteiro dela não traz respostas para absolutamente nada. Nessa hora talvez alguém se pergunte: “E por que eu vou ler esse livro?”. Exatamente porque a beleza se encontra na dúvida, nos mistérios, naquilo que nos causa espanto, naquilo que nos incomoda, naquilo que nos inquieta.
Concluo esse texto contando rapidamente uma estorinha fascinante que ouvi uma vez, mas não sei dizer a origem da mesma.
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Certa vez um jovem queria muito conhecer Deus e lhe disseram que ela morava numa cabaninha bem pequena no alto de uma montanha escondida e de difícil acesso.
Então ele arduamente foi viajar ao encontro de Deus. Passou mais de um ano peregrinando, quando de repente se deparou com uma porta que dizia.
“Deus mora nessa casa. Seja bem vindo!”
Então ele deu meia volta e foi embora!
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Essa estorinha é lindíssima, pois ela fala exatamente que o grande mistério chamado Deus perderia toda a magia se fosse conhecido da mesma forma que conhecemos as coisas desse mundo.
Eu sinto essa presença de Deus o tempo todo, mas não sei defini-lo. E confesso ter certa desconfiança de pessoas que tentam defini-lo!
Quero o silêncio da solidão para poder falar alto O QUÊ e ter como resposta O QUÊ…
E você?
Imagem de capa: eldar nurkovic, Shutterstock
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