Pouca coisa me tira do prumo como as lágrimas da minha mãe. Eu poderia lidar com o equivalente de água de um tsunami, mas Deus me proteja de duas gotas que caiam daqueles olhos verdes.

Sempre foi assim. Mesmo quando nossas dores eram menores, e menos definitivas. As lágrimas da minha mãe eram um sinal de que o equilíbrio do mundo tinha sido perturbado. Claro, porque mães não choram na frente dos filhos a não ser que seja impossível segurar. Elas têm tampões de segurança que acionam quando filhotes estão por perto. Mães tem aquele código de honra com o útero, que diz que tem que segurar a peteca quando elas não podem segurar elas mesmas.

As lágrimas da minha mãe sempre foram meio furtivas, mesmo nós duas sendo melhores amigas desde que eu nasci. Às vezes acho que ela pensa que o mundo faria mais sentido pra mim se ela não chorasse. E faz. Se a minha mãe chora eu tenho medo do mundo, coisa que eu não costumo ter. Atrapalho-me. Engasgo-me. Eu preferia um tsunami, juro.

Sábado passado, quando fomos doar sangue, conheci outras duas mães. A mãe do Tiago, que luta contra o câncer, e que também é mãe do Charles, que faleceu anos antes. A mãe do Enzo eu não conheci, mas os amigos dela que estavam lá me contaram que ela estava na maternidade ao lado do filho, recém nascido, lutando com ele contra a leucemia.

A única coisa que me faz questionar Deus são lágrimas de mães. Porque eu entendo que são fenômenos tão destrutivos que não poderiam existir. Então depois da volta do hemocentro, eu me recolhi no escuro do meu quarto e chorei todas as minhas lágrimas. Por todas as lágrimas de todas as mães.

Isso faz a gente reavaliar nossas prioridades. Nossos perrengues. Eu daria os meus dois braços, esses com os quais eu escrevo esse texto, pra nunca mais ver mãe nenhuma chorar. Pra nunca mais ver a minha chorar.

Hoje toquei uma música que fez a minha mãe lembrar-se do meu irmão. E de novo ela chorou. Um choro que começou de mansinho, e pegou preço. Eu não tirei a música. Eu sequer a consolei. Porque ela precisa de espaço, às vezes, para chorar as lágrimas que só mães choram.

Quando ela parou de chorar, eu me aquietei. Eu renovei minha esperança mais uma vez. Porque se ela consegue se recompor, e enfrentar o mundo com seu coração de mãe, quem sou que para não conseguir. Quem sou eu para não encarar os tsunamis.

Imagem de capa: PhotoMediaGroup, Shutterstock

Antônia no Divã

Uma questionadora fervorosa das regras da vida. Viajante viciada em processo de recuperação. Entusiasta da escrita. Uma garota no divã figurado e literal. Autora do blog antonianodiva.com.br.

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