Nos últimos dias acompanhei uma série famosa da Netflix chamada “13 reasons why”.
A série gira em torno de uma estudante que se mata após uma série de falhas culminantes, provocadas por indivíduos selecionados dentro de sua escola e relata, em fitas cassetes antes do suicídio, treze motivos pelas quais ela tirou sua própria vida.
Conhecendo a história aos poucos, episódio por episódio, eu me vi naquela garota. Não posso dizer que passei por todas as coisas desprezíveis que ela passou, mas o bullying, sim. Na escola, e na vida.
Na infância eu era uma criança muito introvertida, portanto, me enturmar sempre foi uma tarefa muito difícil. Eu sempre tive pelo menos um amigo fiel em todas as fases da minha vida, mas nunca fui popular. Me lembro das muitas vezes em que sentei sozinha para tomar o lanche, e fiquei de fora dos grupinhos de trabalho ou diversão. Eu era sempre a última a ser escolhida para os times de jogos nas aulas de educação física e raramente convidada (até hoje) para encontros de lazer entre amigos.
Mas, na época, isso nunca foi tão importante.
Me lembro que uma vez, na quarta série do ensino fundamental, fiquei encarregada de montar uma coreografia de dança para uma apresentação. Assim o fiz. Por algum motivo, o sincronismo entre as garotas não aconteceu como o planejado, e nós fomos ridicularizadas com vaias. Mas devia ser “coisa de criança”.
Eu não era santa também. Já ri de algumas situações e colegas e, apesar de sempre ter sido discreta, também já pratiquei o bullying se for ver. Hoje, me arrependo amargamente. E gostaria de me redimir, caso eu tenha causado danos na mesma proporção em que fui atingida.
Eu era nerd. Não gostava de bagunças em aula e me irritava fácil quando as brincadeiras começavam e partiam para o meu lado. Isso me atribuiu o rótulo de “a estressadinha”. E muitas vezes eu engoli as risadinhas e os olhares para mim nas rodinhas de conversa entre os meninos.
Não era do tipo que me metia em confusão. Morria de medo de matar aulas e ser pega, e só aceitava as faltas coletivas quando 90% da sala dava sua certeza. Ainda assim, não aproveitava com glória esses dias, pois sabia que não era a coisa certa.
Politicamente correta e aguentava as piadinhas retrucando. Quanto mais eu tentava convencê-los do que era errado, na minha percepção, mais mexiam comigo.
Também fui alvo de ridicularização dentro do ambiente “familiar” (entre aspas, porque não é sangue do meu sangue). Sofri psicologicamente todas as vezes que frequentei uma certa casa, onde, por incrível que pareça, eu adorava passar meu tempo. Aguentei por anos a fio as humilhações e brincadeiras porque tinha medo. Se os adultos que testemunhavam não contavam, quem ia acreditar numa “criança mimada”? Eram só brincadeiras, oras.
Mas teve uma época em que o politicamente correto já não fazia tanto sentido pra mim. Talvez, coisa da idade. Na adolescência em si, pouco antes de entrar na faculdade, eu me senti mais livre para fazer coisas que os adolescentes faziam. Ir em festas e ficar com algum garoto.
Descobri que as pessoas que eu mais julgava, religiosamente falando, humanas, começaram a falar de mim pelas costas.
Foi então que eu me “tornei” a santinha do pau oco. A nerd que se rebelou. Porque começou a sair e conhecer pessoas. Foi assim que meu segundo namorado (que realmente me conhecia e ignorou tudo para ficar comigo) me deixou a par do que rolava nas conversas longe de mim.
Nesse momento os que se diziam discípulos de Deus, só se tornaram mais uma pedrinha daquelas que eu já havia carregado anteriormente.
Eu tinha uma missão pessoal de encontrar o “amor da minha vida” e durante muito tempo eu me agarrei a ideia de casamento, fazendo com que meus ex namorados me taxassem de “louca, obsessiva, e desesperada” e as pessoas me incluíssem na lista imaginária das garotas fáceis. Sim, eu acreditei muitas vezes no interesse real dos garotos por mim quando só queriam um passatempo.
Eu cresci. E conforme fui me tornando mulher, me apoderei do poder que a beleza física me deu. Mas também fui chamada de metida e convencida por ser conivente aos elogios e admirações. Não liguei muito até que me fizeram acreditar que a beleza física era a única coisa que eu tinha a oferecer.
Eu me perdi. Esqueci das minhas inúmeras qualidades. E já não sabia mais a diferença do certo e do errado. Já que o certo que me foi ensinado era motivo de deboche e o errado era aplaudido em grande escala quando os populares praticavam.
Há pouco tempo que eu consegui desfazer esse nó na minha mente. O que é certo é certo, mesmo que ninguém esteja fazendo, e o que é errado é errado, mesmo que todos estejam fazendo.
Eu nunca fui fã de injustiças e afastei muita gente na minha ânsia de resolver assuntos que não dependiam só de mim com as minhas opiniões.
Eu sofri humilhação pública e me fizeram acreditar que eu era uma pessoa frustrada e mimada. Eu sofri abuso psicológico em relacionamentos tóxicos que me fizeram acreditar que EU era louca e precisava de tratamento. Eu sofri e sofro com a falta de amigos que me fazem acreditar que eu sou a única responsável. Eu sofro com o insucesso no meu trabalho e estou convencida que a culpa é minha. Porém, tenho tentado reparar alguns comportamentos, em vão, porque ninguém se quer me da uma chance.
Eu, uma mulher de 25 anos, bonita (é o que dizem), formada, luto todos os dias contra o Transtorno de Ansiedade diagnosticado, e crises de síndrome do pânico que, graças a minha força de vontade, eu aprendi a controlar e conviver.
Mas eu não sonho mais. Eu não tenho mais objetivos concretos. Eu não sei mais qual caminho percorrer. Eu atiro para todos os lados em busca de uma saída. Eu sinto um cansaço frequente, demoro a dormir e não tenho ânimo para absolutamente nada. Eu troco fácil uma festa pela minha TV. Eu não sei mais como construir amizades e perdi essa vontade. Choro quase sempre, mas tenho medo que me ouçam. À s vezes não consigo esconder.
Mas, para as pessoas, eu sou a garota que se faz de vítima para chamar a atenção.
Tenho uma família ótima, um namorado deveras maravilhoso e, uma afilhada que eu JAMAIS vou permitir que façam a ela o que fizeram a mim, e vou ensiná-la que ela não é culpada pela crueldade humana.
Pela primeira vez na vida, eu estou querendo chamar a atenção, sim. Chamar a atenção para o que vocês chamam de frescura, mas que ferem o próximo; para o que vocês chamam de brincadeirinha e constrangem o outro; para o que vocês chamam de loucura e destroem a reputação de quem sofre com psicologia reversa; para quem tem depressão e aparenta estar bem e vocês rotulam como vitimismo.
Eu não vou desistir. Já passei por vários dias em que a dor foi tanta, que eu pensei que não fosse aguentar. Mas aguentei. E vou continuar aguentando.
Mas, por favor, as pessoas estão sofrendo. E, talvez, precisem da sua ajuda e não do seu julgamento.
Nós precisamos falar sobre bullying, depressão e suicídio. Nós precisamos falar sobre saúde mental. Mas, acima de tudo, nós precisamos amar e estender a mão.
Imagem de capa: srisakorn wonglakorn, Shutterstock
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