Jorge Amaral

A morte e a metamorfose – (Minha avó Emília, uma anjo na minha vida).

Um dia, vi minha esperança quase morrer. Eu que sempre fui a favor da vida, talvez por vaidade, tenha desejado a morte. Eu sou como dizem, “Filho criado com Vó”. Vivi toda a minha infância e adolescência à sombra daquela que daria a vida por mim.

E hoje com lágrimas nos olhos, me lembro de todas as vezes, nas quais ela fazia o pouco se transformar no muito, por amar tanto a todos aqueles que estavam ao seu redor, e cuidava de cada um de um modo especial e que lhe era peculiar. Venceu todos os preconceitos da época ao assumir uma tarefa na qual, se tornaria ré – cuidar de oito netos .

E afinal, depois de nos amar tanto, nos apresentava o mudo de uma forma tão diferenciada, que de tanta bondade, parecíamos morar no céu, porque acho que minha avó era um anjo, sabe?

Seu brilho, sua cor, sua bondade em ajudar as pessoas, tudo isso fazia dela, uma referência de direção a seguir, um exemplo.

Um dia, porém, vi que aquela mulher, imortalizada no meu coração, pertencia também ao criador. E fazia sentido, porque lugar de anjo é no céu. Lá ela viveria sem a dor da necessidade e com certeza, aquele amargo que experimentara na terra, teria ali, sabor de mel. Nesse dia, percebi que havia uma concorrência desleal, porque eu tinha a esperança de que ela vivesse por toda a eternidade, mas que Deus tinha o poder de tirá-la de mim.

Ah! Quanta dor! Eu que me alegrara tantas vezes, por sentir suas mãos afagando os meus cabelos, sentado à porta, enquanto ela conversava com o visitante, agora tocava sua pele fria, e ao vê-la inerte, sem proteção, me senti o menor de todos os seres humanos, procurando respostas que nunca, jamais encontraria naquele momento. Mas tinha a certeza de que naquele momento, ela estaria alegrando com certeza, os seus companheiros fiéis, os anjos. Então nada mais poderia fazer, a não ser me entregar a um choro compulsivo e até mesmo culpado. As lágrimas ainda caiam do meu rosto, quando alguém me deu um abraço e me disse: “Ela está melhor, descansou.”

Me lembrarei sempre de todos os momentos que vivi com ela, e de cada detalhe, da expressão do seu olhar de reprovação, do seu sorriso, e principalmente do cafuné que eu recebia quando procurava refúgio no seu colo.

E em homenagem a ela, um breve sorriso estampou em meu rosto, porque ela também parecia sorrir. E pensando que um dia, cada um de nós, seremos iguais, deixando esse mundo para nos juntarmos a um rol de anjos, que na terra habitaram em corpo humano. Mas ela, enquanto viveu, escolheu fazer o melhor, não para ser feliz, mas para fazer outros felizes. Viveu se dedicando o tempo todo aos filhos, aos netos e aos amigos, para enfim se afugentar no céu e ficar sentada vendo filmes, tricotando ou cultivando flores. Sim, porque no céu tem belas flores e ela sempre gostou delas.

Toda perda nos traz uma reflexão. Por isso, quero aproveitar cada segundo ao lado das pessoas que amo, como se fosse único. Um dia, chorarei pela perda das pessoas que amo, mas no final, poderei sorrir e compartilhar esse sorriso com os anjos, apenas pelo fato de ter vivido tudo que foi possível enquanto estive ao lado delas, porque a morte é apenas um processo da metamorfose, que transforma as pessoas que amamos, em anjos.

Minha avó era realmente um anjo na terra.

Imagem de capa: Rawpixel.com, Shutterstock

Jorge Amaral

Jorge Amaral, brasileiro, natural de Ataléia/MG. Colunista e escritor semi-profissional. Livro publicado – PALAVRA É ARTE – Coletânea com outros autores. Escrevo porque considero a minha vida como uma eterna poesia, porque me perco na escrita e me encontro na leitura.

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