Ana Macarini

Até que haja um mundo onde ninguém precise diminuir o outro para se sentir maior

A gente nunca sabe o tamanho exato que tem. Às vezes nos sentimos ínfimos diante de alguma dessas experiências de quase morte – nem sempre física -, nas quais nossa esperança em um novo dia que amanheça menos doloroso, se esvai pelo ralo da dor. Às vezes nos sentimos qual verdadeiros gigantes, em meio àquelas raras e maravilhosas vivências de um amor benigno, que nos faz ter absoluta certeza de que a felicidade não é apenas um sonho distante.

Há dias em que a nossa alma toma proporções inimagináveis, a ponto de simplesmente não cabermos mais em nosso corpo de carne e osso; a ponto de sermos transportados para muitas dimensões além do tempo, num lugar onde não existe dor, ou mágoa, ou traição, ou nossa infinita capacidade de desapontar aqueles que nos são mais caros.

E há também, aqueles outros dias em que essa mesma alma de limites inexistentes, se apequena num cantinho mínimo e escuro dentro do nosso peito, a pedir por um pouco de silêncio e quietude, a clamar por algum descanso; porque estamos exaustos de lutar contra nossa natureza humana tão propensa a causar sofrimento e dor.

E quem dera, fosse uma escolha essa brincadeira de esticar e encolher. Quem dera houvesse uma poção mágica que nos alçasse às alturas ou nos fizesse caber numa gota de orvalho, a depender de nossa vontade de estar visível ou invisível aos nossos próprios olhos e, principalmente aos olhos do outro.

O outro é a nossa modulação de existir, uma espécie de bússola quebrada ou invertida que nos aponta um caminho, mas nos leva para outro lugar, completamente desconhecido e enganoso. O que o outro quer de nós, exatamente, nós infelizmente jamais saberemos. O desejo do outro é um mistério completo, porque o que nos faz modificar ou adulterar nossa versão original, é a interpretação capenga e tendenciosa que fazemos acerca das expectativas alheias a nosso respeito.

Somos tão tolos por não perceber que tudo não passa de uma projeção das nossas necessidades afetivas. Acreditamos que seremos felizes se coubermos na forma exata do que pensamos ver no brilho dos olhos daqueles em quem queremos despertar amor, simpatia, admiração e até inveja. Somos tão ingênuos e ao mesmo tempo tão manipuladores, porque vivemos representando papéis que muitas vezes não nos cabem, em busca de algo que nos garanta um pouco de paz… uma trégua nessa briga exaustiva por ter algum controle sobre o nosso destino.

O fato é que o que nos incomoda mesmo, aquilo que vem nos cutucar bem naquele pontinho que dói e sangra, não é o nosso real tamanho. O que nos inquieta e tira o nosso sossego é a tormenta de descobrir que alguém se tornou maior do que nós, a ponto de nos fazer sombra; ou que se diminuiu numa humildade inatingível, a ponto de nos fazer parecer desproporcionais e grotescos em nossa imensurável mania de querer sempre mais.

O que nos resta, ou o que pode nos salvar desse jogo, onde todos saem perdendo, é que acordemos um dia desses desse sono pesado e turbulento, dispostos a quebrar esses espelhos distorcidos de nós mesmos. A nossa única e bem-aventurada saída é entendermos que nossa libertação dessa cela de autoengano só depende de nós mesmos.

Que as nossas preces sejam ouvidas por um anjo, cujas asas não se importem com o peso das culpas que teimamos em arrastar pela vida afora. E que uma vez acolhidos nesse colo bendito de cura e perdão, possamos nos livrar dessa casca que nunca cicatriza… até que seja possível tocarmos o mundo uns dos outros com respeito e generosidade… até que haja um mundo onde ninguém precise diminuir o outro para se sentir maior.

Imagem de capa: wrangler, Shutterstock

Ana Macarini

"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

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