Eu aprendi a diferença que a saudade faz nas relações através de uma comparação bem simples. Eu como irmã mais velha de três garotos, sempre fui muito dedicada ao tempo com a família. Ainda mais tratando dos dois irmãos pequenos, que na idade de 4 aninhos já cultivavam alguma memória. Por conta do registro que passaram a ter, sempre quis estar próxima deles, com visitas semanais e batia ponto em todos os eventos importantes de suas pequenas vidas. Diferentemente de mim, o meu irmão Leonardo não dedicava tanto tempo aos pequenos. Fosse por conta da rotina corrida, interesse ou por não desenvolver nenhuma culpa associada à ausência, ele sempre se manteve menos disponível do que eu.

A esta altura, você imaginaria que o relacionamento dos dois pimpolhos seria melhor comigo, que estive sempre ao alcance dos olhos, mas não. O resultado do meu estudo de caso indicava que com o tempo, a ausência do Leonardo criava uma demanda de carinho imensamente maior do que a dedicada a mim, que estava sempre ali. Quando eu visitava as crianças, era recebida com beijinhos e abraços, mas logo os dois perdiam o interesse no meu comparecimento – esse que não era nenhuma novidade. Quando o Leonardo eventualmente aparecia, entretanto, por conta da saudade acumulada e da novidade que suas visitas traziam, a festa de recepção era imensa e a atenção deles durava horas.

Veja isso não quer dizer que os pequenos gostam mais do meu irmão do que de mim. Para mim está muito claro. O que eu percebi, no entanto, é que a saudade tinha uma função chave de promover o interesse dos meninos. Renovar os votos de carinho. E tonar a presença algo ainda mais interessante.

Gostaria de poder dizer que essa análise é funcional apenas quando associada à infância, mas ela não é exclusiva. Nossas mentes de gente adulta funcionam da mesma forma. Damo-nos melhores com pessoas que estão distantes, porque são aquelas pessoas mais próximas que vivem nossos perrengues, conhecem nossos piores momentos, e por vezes até ajudam a atravancar o caminho. Aqueles que desaparecem e retornam são recheados de novidades. Tem as qualidades mais em evidencia do que os defeitos. Relacionamentos costumam ser complexos, ainda mais em meio à rotina. Então a saudade, por vezes, é aquela mão de tinta fresca em algo que gostamos, mas que só precisava de uma reforma.

Fazem 5 meses que convivi com um garoto 24h por dia, com curtos intervalos promovidos pelas ondas do mar. Foram dias e horas de um relacionamento intenso e real, mesmo que “de férias”. Houveram inúmeras pedras no caminho (outras no rim), aprendizados mútuos e conversas intermináveis sobre as mazelas da vida. E muitas cuecas sujas pelo chão. Confesso que no início as cuecas não eram um problema, até virarem rotina. Nos últimos dias de nossa viagem, as cuecas tomavam mais meu tempo do que o maravilhoso pôr do sol a nossa frente. Porque a rotina e o costume fazem isso com a gente. Colocam um microscópio sobre as pequenas coisas, enquanto perdemos o foco das grandiosidades. Não é por mal. É culpa do excesso de acesso. Acesso à atenção, ao tempo da outra pessoa. Excesso de contato. E a física comprova que excesso de contato gera atrito, então o que eu falo é, além de tudo, científico. E para aliviar o atrito – saudade.

Fazem apenas 3 dias que me despedi do garoto lindo de quem eu gosto, porque nossas viagens tomaram um rumos diferentes. Não demora a gente se vê de novo. Fazem 72h que eu me delicio com uma saudade que deixou o dono das cuecas com um brilho novinho em folha. E me chamem de maluca, mas eu dava uma mão pra ter as cuecas dele no chão do quarto de novo. Porque saudade faz isso. Faz a gente dar mais valor ao tempo que ganha ao lado de alguém, do que ao tempo que perde discutindo os percalços do hábito.

Estou há quase 7 meses longe de casa, e sinto saudade de ter a roupa tomada de pelos do meu cachorro. Não vejo a hora de sentar com o meu pai para conversar, mesmo que ele tenha dificuldade de entender meus planos e manias. Queria ter de novo os problemas da minha mãe para somar aos meus. Porque saudade é mesmo o melhor remédio pra lembrar que a gente ama quem ama, não pelo que as pessoas são, mas apesar do que elas são. Talvez muitos relacionamentos pudessem ter sido salvos pela saudade. Aquela oportunidade de ouro de avaliar tudo que a gente nunca quer perder pra sempre, mas que também pode abrir mão (às vezes) por tempo determinado. Sabe, em nome da boa saudade.

É óbvio que existem as saudades doloridas. Daquela de gente que não está mais por perto, e nem pode estar. Não estou dizendo aqui que toda saudade é bem-vinda. Mas que ela é uma boa ferramenta para consolidar a memória de tudo que foi bom. Saudade de quem foi embora é prova mais fiel de que tudo valeu a pena. Então de certa forma, mesmo que dolorida, é também uma saudade importante. Uma evidência do amor que transcende toda despedida. Triste mesmo é não ter saudade de quem partiu, não é mesmo?

Saudade faz bem. E eu recomendo. É distância que ajuda a pensar. Filtrar sentimentos. É balizador do que realmente importa. Então se eu pudesse dar um conselho, seria o de valorizar o sentimento da saudade. Nem nega-la, nem lutar contra. Mas abraça-la com todas as suas cuecas sujas, as distancias, a ausência presente. Pelo menos até o próximo reencontro.

Eu não vejo a hora de chegar em casa. Tenho certeza que meus irmãos vão fazer a maior festa pra mim. Eles estão morrendo de saudades.

Imagem de capa: Dean Drobot, Shutterstock

Antônia no Divã

Uma questionadora fervorosa das regras da vida. Viajante viciada em processo de recuperação. Entusiasta da escrita. Uma garota no divã figurado e literal. Autora do blog antonianodiva.com.br.

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