Há alguns anos, caminhando por Londres, me deparei com um mural gigante do artista porto-riquenho, Alexis Diaz. Aquele grafite de um animal, meio elefante, meio polvo, me impressionou pela beleza, mas também porque tinha muitos significados internos pra mim. Aquele mural era o mais íntimo de mim, exposto em praça pública. Sabe quando se lê algo, ouve-se uma música, vê-se uma pintura que consegue transmitir perfeitamente algo que é muito seu? Algo que estaria além das palavras. Algo que está inclusive além das suas. Aquela besta meio polvo e meio elefante imaginada por Alexis, aquele ser caótico, era eu.

Sou eu: metade polvo, metade elefante. Sou polvo movimentando-me adiante, sonhando com o futuro. Sou movimento, dança e intuição. Sou eu, elefante, tomada por meu passado, vestida das forças de minhas memórias. Sou eu que, mesmo dotada do conhecimento necessário, ainda temo por vezes. Eu e meus tantos eus anteriores e ancestrais.

Sou eu, aprisionada entre quem fui e quem ainda serei. Sou eu, elefante e polvo sob a armadura de mulher adulta. Sou eu, polvo e elefante sob os olhos de menina anciã. Sou eu, mulher polvo e elefante, guiada pelo que sinto, mutante.

Sou eu, por vezes domada pela racionalidade dos polvos, e, em tantas outras, lá na frente rainha de minha intuição. Sou eu, como um elefante que pressente a maldade crua que o rodeia a centenas de quilômetros. Sou eu, mulher polvo elefante, dona de minhas fases, fiel a mim e constantemente reorganizando meu intenso trânsito interior.

Sou eu, sempre distante do tempo presente. Aprisionada ao passado ou ao futuro, ambos impossíveis. Sou eu, elefante. Pesada de meus apegos, de minha memória, de meus arrependimentos que formam agora a crosta grossa que também protege. Sou eu, polvo, logo em seguida. Ansiosa, insegura, medrosa, mas também expert em fugir e se defender. Sou forjada no amor e na dor, no medo e na fé, no frio e na chama.

Sou eu, polvo, confundindo seus olhos com minhas tintas, antecipando-me aos seus movimentos com a leveza dos meus. Sou eu, a fúria que parte com tudo pra cima pisoteando suas meias palavras. Sou eu, mulher polvo elefante. Com meu olhar lancinante adiante que deseja, que guarda, que se entrega. Me entenda e me aprisione. Sou eu, mulher polvo elefante. Feita para não se entender. Sou eu, estranha e incompreendida, mas crente de que no fim, bastará que eu me compreenda.

Imagem de capa: BLACKDAY, Shutterstock

Diego Engenho Novo

Escritor, publicitário e filho da dona Betânia. Criador do blog Palavra Crônica, vive em São Paulo de onde escreve sobre relacionamentos e cotidiano.

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Tags: mulher

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