Ultimamente um assunto específico tem me deixado curioso. Tenho lido bastante sobre pessoas com uma síndrome rara chamada Memória Autobiográfica Altamente Superior. Em outras palavras, essas pessoas, vinte e poucas no mundo todo, jamais conseguem esquecer qualquer coisa. Tudo o que elas vivem, veem, ouvem, aprendem, sentem, é guardado pra sempre. Você deve imaginar como esse assunto é naturalmente instigante pra alguém que como eu tem memória de peixe. Minhas memórias me fogem como crianças de cinco anos: rápidas e misteriosamente, correndo em todas as direções.

Primeiro sinto uma leve inveja. Imagina poder guardar em detalhes o cheiro do cabelo da sua mãe? Imagina poder rever sempre que quiser a cor dos olhos da primeira namorada? O som da bola batendo na quadra da rua de trás nos chamando? Imagina poder lembrar de todas as receitas, datas, sabores preferidos dos seus amigos, de todas as respostas necessárias para ser um adulto bem-sucedido? Qualquer lembrança, memória sussurrado atrás das orelhas. Mágica.

Mas não deve ser fácil também carregar tanta coisa. Eu me desfaço de quase tudo e já me sinto pesado demais. Imagina lembrar em detalhes de tudo o que disse, mas não devia? De todas as vezes que se sentiu solitário e abandonado? Imagina jamais poder esquecer a primeira, a segunda, a terceira pessoa que amou? Jamais poder superá-las. Se bem que nisso, temos um pouco em comum. Eu jamais me esqueço de alguém que amei. Eu apenas as movo para um cômodo mais tranquilo de mim mesmo.

Mas ser um exímio esquecedor tem suas vantagens. As poucas lembranças que ficam são definitivamente as mais fascinantes. Hoje acordei e, ao olhar pelas janelas embaçadas pela chuva, me lembrei exatamente da primeira vez que te vi. Havia centenas de pessoas, não estava exatamente claro, mas, por um segundo, eu vi seus olhos olhando diretamente dentro de mim. Por um segundo, só havia você. Naquele instante, toda a minha dor, minha angústia, tudo em mim fez um silêncio muito respeitoso. Você sempre teve esse poder solene e doce sobre mim.

Eu me lembro de fio por fio dos seus cabelos escuros, textura por textura da sua pele clara, detalhe por detalhe da perfeição que te bordava. Eu me lembro de tudo. Você sorriu e, em seguida, riu de um jeito que eu jamais verei outra vez. Eu me lembro de cada canto daquele sorriso como um país distante do outro. Aquele instante mora em mim. Aquele olhar habita em mim e muitos dos olhares que você me ofereceu no tempo em que estivemos juntos. Eu sinto que nos meus últimos momentos nesse mundo, ainda vou te lembrar com a exatidão que carrego hoje. Algumas pessoas se lembram de tudo. Outras pessoas se lembram do todo. Eu me lembro de você.

Imagem de capa: Maria Savenko, Shutterstock

Diego Engenho Novo

Escritor, publicitário e filho da dona Betânia. Criador do blog Palavra Crônica, vive em São Paulo de onde escreve sobre relacionamentos e cotidiano.

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