Ela cresceu tão rápido que costuma sentir saudades de sua infância. Saudades das brincadeiras bobas, das altas gargalhadas, dos primeiros amores, do seu primeiro beijo e de tantas outras coisas que ficaram marcadas em seu passado. O tempo andou correndo junto aos seus pequenos pés, e neste imenso caminhar, ela conheceu umas dores tão fortes dentro do seu peito, que algumas delas ficaram marcadas na alma até hoje. Perdeu sua avó numa segunda-feira que parecia ser tão calma e relenta. O silêncio preencheu toda a cozinha com um vazio enorme. Ela, que estava tão acostumada a escutar o cantarolar de sua avó todas as manhãs, desabou em um silêncio tão violento quanto levar um tiro no peito. Vovó se foi. E como foi duro escutar aquelas palavras mesmo sem entender o real significado delas. Sua mãe costumava lhe dizer que: “Tivera que doer daquele jeito para nunca mais doer.”
Ela continuou crescendo rapidamente, e com o passar do tempo conquistou alguns amores passageiros ao longo de sua vida. Alguns moços que só quiseram alugar seu coração, infelizmente, apenas isto. Mas ela guardou estas dores consigo e aprendeu que os sentimentos são reais assim como são reais as dores de quem um dia se foi para sempre. O nome de sua avó foi marcado em suas costas junto ao seu nome formando o símbolo do infinito. E quando a noite visita o seu peito triste, ela costuma conversar com Deus – quem melhor para nos entender -, e ela o questiona se sua avó anda cozinhando algo gostoso pelo paraíso. O tempo continuou com a sua caminhada e no meio de tanta pressa e correria do dia-a-dia, ele resolveu passear lentamente quando assistiu aquela menina-mulher beijar aquele rapaz devagar.
Pela primeira vez ela sentiu o coração pulsar dentro do peito descontroladamente. Um beijo que alimentava a alma sem ter noção alguma de tempo. Aquele rapaz do cabelo bagunçado parecia ser diferente dos outros rapazes. Não havia explicação alguma que pudesse descrever o que ela sentia, quando eles perceberam, já estavam perdidamente apaixonados um pelo outro. Conversas daqui. Gargalhadas dali. Carinhos acolá. Ela finalmente descobriu um jeito de tocar aquele rapaz sem usar as mãos. Estava completamente entregue ao mais profundo dos sentimentos. Ele, que mal sabia o seu nome, quando pousou seus olhos nela pela primeira vez, já queria ter dois filhos, um cachorro adotado e uma casa no campo para passarem a eternidade juntos. E foi numa tarde de um domingo alaranjado, dois meses depois de estarem juntos que ele a pediu em casamento no banco da cafeteria. Ela, que nunca havia sentido nada igual, gritou um “SIM” com um sorriso estampado no rosto capaz de parar o tempo. Mas o tempo não parou, ao invés disto, ele passeou quando percebeu o amor incondicional entre eles. Casaram-se dias depois, tiveram dois filhos, na verdade três, adotaram um. Compraram uma casa no interior e viveram por lá muito tempo juntos.
Ela cresceu, aquela menina que se permitiu sentir tanta dor, tornou-se mulher. Menina-mulher que hoje enxerga o mundo de uma forma completamente diferente. Suas retinas já cansadas, hoje descansam junto ao perfume do campo. Ela amadureceu com o tempo, aquele mesmo que tanto tirou dela. E hoje, este mesmo tempo passeia ao seu lado como quem diz: Eu lhe roubei algumas coisas, para poder lhe entregar outras. Seus filhos cresceram e tiveram outros filhos. Em um piscar de olhos, ela havia se tornado avó. Quando se olhou no espelho e viu seu reflexo, percebeu novas artes em seu rosto e continuou cozinhando e cantarolando pela casa. Fechou seus olhos por alguns segundos e lembrou-se das retinas azuladas de sua avó. Olhou para o céu, agradeceu por tudo que havia conquistado, e sorriu junto ao som das crianças brincando lá fora.
Ela cresceu.
Viveu.
Amou.
Sentiu.
Amadureceu.
Envelheceu.
E anos mais tarde, ela
pessoalmente foi conversar com Deus.
Foi quando escutou a suave voz de sua vó dizendo;
– Menina, como você cresceu.
P.S.
Eu lhe imploro.
Sinta o hoje, para não correr o risco de não sentir amanhã.
Em memória de todas as avós.
Imagem de capa: HBRH, Shutterstock
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